Mais um caso. O tempo para ficarem um passo à frente do assassino estava se acabando, junto da paciência das famílias, dos comandantes da polícia, e da mídia. Porém, mais uma oportunidade. Marie, Alessia e Sandra, estavam sentadas, mais uma vez, na sala analisando as ligações que os casos poderiam ter. Marie tentava se forçar a lembrar quaisquer características que ligassem as mortes de Laísa e Aline às primeiras vítimas do caso de Valquíria e o Monstro. O que Regina tinha em comum com Leila? O que Aline tinha em comum com Camila? Marie conseguia se lembrar de algumas coisas, mas relendo as informações do caso, todas as informações vieram como a onda das águas de barragens rompidas.
Regina era irmã gêmea de Sabrina uma das suas melhores amigas. Marie, Mirtho e a menina tinham decidido passar algumas horas na casa da amiga, para ela não ficar sozinha até sua irmã chegar. Muitas horas se passaram. Marie lembrou que aquela noite chovia muito. Então, quando a chuva parou, Sabrina foi abrir a porta que dava para a piscina, a fim de desabafar a casa e gritou. Logo Marie e Mirtho estavam ao seu lado. Marie podia sentir o grande vazio que era olhar para a menina boiando na piscina. Ela podia sentir o corpo começar, aos poucos, tremer. Podia sentir a vontade de correr crescer em seu peito e suas pernas gritarem por não conseguirem se mexer. Ela lembrava de Mirtho tirando Sabrina do chão e a levando para a sala e desligando o som alto. Em seguida foi sua vez. Mirtho vertia lágrimas, e suas mãos estavam frias e trêmulas, mas ela conseguiu ligar para a polícia. Não muito tempo depois, estavam todas respondendo perguntas e sendo levadas para a delegacia, onde se sentaram enquanto seus pais não chegavam. Sabrina começou a passar mal. Tinha enjôos, e aos poucos perdia a pouca cor que tinha. Teve que ser levada para o hospital. Naquele dia, Marie tinha conhecido o soldado Leone. E Miranda, e Martins, e Carvalho.
Regina gostava de balé, assim como a irmã, mas também gostava de se divertir e curtir o namoro. Era a mais séria das duas, e a mais estudiosa. Não gostava de sair com o pessoal da sala, mas às vezes dava o ar da graça. Era linda, sempre bem vestida. Mesmo, muitas vezes, suas roupas dizendo que ela era bem mais velha, do que realmente deveria ser. Naquele dia, Marie tinha conhecido o que era a morte.
Laísa era diferente. Pelo o que Marie podia ver, La, como soube que era conhecida, era mais parecida com ela. Pelo menos na época que estudaram juntas. Laísa gostava de festas e de sair com sua turma, isso quando não acabava sendo chamada para as festas que envolviam todas as turmas. Ou quando ia para a famosa festa à fantasia dos Braga Guimarães. A última tinha sido há três anos, pouco antes de tudo começar. Pela terceira vez, Sabrina e Regina tinham sido as anfitriãs da tradicional festa de sua família. A festa homenageava um parente distante delas. O Barão Rubro, como foi conhecido. Seu nome primeiro nome era Jacinto, e seu último nome era Guimarães. O apelido veio das suas práticas de assassinato envolvendo um clube secreto de nobres que se reuniam para vê-lo sacrificar marginais e corruptos, em cerimônias regadas à violência, e orgias em frente ao corpo de suas vítimas. Como de costume, os anfitriões se vestiam, um de Barão, e outro de uma personagem importante em sua história, chamada Helena Bourbon, a responsável por queimar o palacete do barão na França e morrer entre as ruínas. Lendas urbanas a tinham como um bruxa impiedosa. Sabrina sempre se fantasiava luxuosamente de Helena, enquanto Regina era o Barão Rubro.
Pelo o que Marie tinha acabado descobrindo, Laísa também era a menina dos olhos penetrantes. Ela podia se lembrar de quando viu esse olhar naquele dia na rua. Isso estava realmente a assombrando. Ainda mais depois de ter tido aquele sonho com Valquíria. A jornalista não conseguia traçar um paralelo entre as duas meninas, então mudou de planos para analisar Aline e Camila.
Aline e Camila tinham uma coisa em comum, a música. Porém, ao contrário de Camila, que cantava, Aline tocava violão. Assim como Denis, o primo de Camila, tocava piano. Denis era um menino misterioso para Marie. Ele gostava de sair com o pessoal, e se divertia, mas sua vida era bem reservada. O garoto tinha cabelos ondulados e bagunçados, castanhos. Olhos azuis cintilantes. Seu rosto ainda não era marcado com a sombra que a barba deixava na região do maxilar e buço dos meninos. Seu nariz era longo, e seus lábios finos. Era magro e sempre se vestia como um estudante de artes. Era muito próximo de sua prima, ao ponto de os confundirem, ou como namorados, ou como irmãos. Camila tinha os cabelos tingidos e curtos, seu corpo não era magro, mas também não era gordo, era um corpo proporcional ao seu tamanho e muito convidativo aos olhares inescrupulosos dos meninos. Ela tinha o nariz parecido com o dele, e seus olhos eram cinza azulados. Hipnotizantes. Marcantes. Sua voz também. Ela gostava de gravar vídeos e se apresentar nas apresentações escolares. A morte dos dois foi bem marcante para Marie, seus amigos e colegas.
Eles tinham marcado de todos se encontrarem na casa de Camila. Lá estariam os pais dos dois, assim como os avós. Quando Marie chegou na casa, percebeu que o portão estava aberto. Naquela noite, Valquíria tinha levado Marie e Mirtho. Elas desceram pelo caminho de cascalhos até a casa que simulava uma casa de campo. Ela estava estranhamente silenciosa. Pensaram terem chegado muito adiantadas. De dentro da casa não respondiam aos seus chamados. As luzes estavam todas acesas, porém nenhum barulho saia de dentro. Ao entrarem na sala, viram pés descalços no corredor, e quando se apressaram para o socorro, lá estava o avô com o pescoço grudado por um grosso pedaço de couro e sangue espalhado por todo local. Marie tomou ar para gritar, Mirtho cobriu sua boca. Valquíria subiu a camiseta até o nariz, passou por cima do corpo. Depois de sumir pelos quartos e banheiros, levou as meninas para fora e voltou para procurar por mais vítimas. "Todos estão mortos.". Marie e Mirtho cederam à gravidade em suas cabeças. As pernas cederam e elas caíram chorando. Valquíria respirava fundo enquanto ligava para a emergência. Junto com o resto dos pais e os amigos, as viaturas e ambulâncias vieram.
Alessia se aproximou de Marie, que relia as fichas e a descrição. Colocou a mão sobre o ombro da jornalista, que distraiu-se dos papéis, os quais detalhavam as necropsias dos corpos.
A primeira vez que o Monstro apareceu, certo? Eu lembro do quão horrível foi a cena. E me lembro de você e a sua amiga. Também lembro de Valquíria e o quanto ela tava abalada. Se você não viu as fotos ainda, eu gostaria de te privar disso. Ler já é o suficiente. Tudo bem? ㅡ Alessia tirou os documentos, delicadamente, das mãos de Marie, e pegou as fotos. Então os devolveu para ela. ㅡ Sandra, tem uma coisa me incomodando.
Também percebeu que o primeiro caso destoa do modus operandi da Veneza e do Monstro?
Quê? Como assim? ㅡ Disse Alessia. Marie correu os olhos de Alessia, para Sandra, e para Alessia novamente.
No caso da Laísa, pareceu muito mais com que o Monstro fazia. Já no da Regina foi a Veneza quem matou. Daí agora, com a nova vítima, parece o procedimento da Veneza e não do Monstro. Tô pensando se isso é realmente o Monstro. ㅡ Sandra estava realmente inspirada com os acontecimentos recentes. Alê tinha falado para Bruno, e para ela que uma pessoa estranha estava usando uma máscara branca e capuz preto enquanto ele procurava por Aline.
Isso pode fazer sentido. Mas um assassino em série pode mudar sua forma de matar e suas ferramentas pra isso, não? Eu tava pensando em outra coisa... Que tem a ver, mas não muito. Percebeu que os perfis não batem? Digo, o de Laísa parecia mais com o da Marie, enquanto o de Aline parecia mais com o perfil do Denis, e mesmo assim, Melina ainda está viva. Talvez não seja o caso de aumentar a segurança nela, pelo menos por enquanto? ㅡ Marie estava realmente intrigada, principalmente porque ela só tinha pensado que, talvez, não houvesse uma ordem correta.
Realmente, acho que seria a primeira morte que evitaríamos. O que acha, Marie? ㅡ Ela realmente tinha que dizer algo a mais?
Eu... Acho que sim? Mas também tava percebendo outra coisa. O perfil de Regina, não bate com o perfil de Laísa, mas bate com o perfil de Giannina, que também tá viva. A gente precisava de mais informações sobre a vida de cada um... Não só o que a gente acabou descobrindo com a apresentação escolar. ㅡ O rosto de Alessia se iluminou.
E se você entrevistasse eles pro jornal? Sei lá, com a desculpa de dizer como era a vida deles na escola, mas sem mostrar as identidades e tudo mais? ㅡ Marie estava se encolhendo, simplesmente, doía sua garganta só de pensar em dizer a verdade. Ela se lembrava dos olhares de lâmina que a cortavam sempre que percebiam quem ela era na rua. Como os olhares dos amigos de Laísa. Como as pessoas na farmácia. Como os pais dos colegas de Carlos. Seu peito estava sendo amarrado por uma vergonha gigantesca que a colava no tapete felpudo de Alessia.
Mas... Eu... Eles não vão se abrir pra mim. Não depois do que eu sei que a cidade pensa sobre mim, e-
Você não precisa ir como você. Afinal, cê usa um pseudônimo, certo? É só te disfarçarmos, uma peruca, um pouco de maquiagem e nem vão te reconhecer. ㅡ As sobrancelhas de Marie se curvaram. Ela se virou para Sandra pedindo socorro.
Isso, eles nem vão desconfiar, é só você se controlar que vai dar tudo certo. Posso tentar falar com Carvalho, pra ela tentar convencer a diretora dessa ideia. Daí é só convencer os pais. Minha permissão você já tem. ㅡ Marie já tinha se esquecido. Sandra era mãe de Alexandre. Uma das possíveis vítimas.
Tudo bem... Podemos tentar. Eu acho. ㅡ Aquilo era progresso. Aquilo era um próximo passo.
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Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.