Uma coisa seria o estranhamento de todos da sua turma estarem indo embora, e outra coisa estava sendo ele ter enterrado a maioria deles em um mês desde o fim das aulas. Izumi sentia-se sozinho constantemente, mas agora ele estava solitário. Laísa morreu, e não foi somente sua família e ele quem a perdeu, Cecília estava nessa equação dolorosa. Ela tinha acabado de terminar com Laísa, quando ela foi morta pelo tal do Ítalo, Izumi não poderia imaginar a magnitude de sua dor, porém ele podia assistir, como estava naquele momento.
Os olhos claros de Cecília se destacavam pelo vermelho em volta. A ponta de seu nariz fungante estava assim também. Ela não tinha mudado muito. Ainda tinha uma raiva vibrando em seu olhar, seus dentes grandes empurravam seus lábios entortados para baixo em uma faceta aparentemente triste. Ela poderia ser uma caricatura ambulante, mas ele sabia que ela tinha mais lados que um dado de RPG. Ela conseguia esconder toda sua raiva dentro de uma felicidade inconsequente, talvez isso tivesse feito Laísa se apaixonar.
Ela gesticulava, balançando os braços bem abertos, quase acertando Izumi, enquanto contava seu lado da história sobre como e porque elas terminaram, mas ele já podia imaginar a versão completa dessa história sem o envolvimento emocional de uma ou de outra. Laísa estava se sentindo sufocada pela presença esmagadora de Cecília, que não a deixava em paz por conta de uma insegurança patológica que ela tinha, e fazia com que ela se apoiasse em relacionamentos para que outra pessoa lidasse com isso por ela. Laísa decidiu que precisava ter o controle da própria vida, sem que tivesse que cuidar de outra pessoa. Cecília teve uma de suas crises e fez alguma coisa preocupante, mas seu pai não deu a devida atenção, ao contrário, deve ter aumentado sua mesada, ou dado algo muito caro, enquanto isso Laísa escapava pela vertente.
Ela me ignorou, como se eu não fosse ninguém, Izu!
Deve ter sido difícil mesmo...
Ela falou de mim naquele dia?
Não ficamos muito perto, ela tava mais isolada aquele dia, acho que pensativa...
Você acha que ela tava pensando em vir falar comigo? ㅡ Os olhos dela eram redondos e grandes como o de uma criança pedindo algo que quer muito, esse era o modo de Cecília te forçar a dar a resposta que ela quer.
Pode ser que sim, ou ela só devia estar preocupada com-
Ela falou alguma coisa de mim depois que terminamos? ㅡ Droga, sair dessa seria mais difícil.
Não... Digo... Eu imaginei que você não ficô bem depois dela terminar... ㅡ Os lábios dela descomprimiram um riso debochado.
Ela contou... ㅡ Cecília olhava pela janela, procurando uma forma de tirar mais informações dele. Izumi sabia que a partir daquele deslize ele tinha caído na teia dela, e agora ela o enrolava nos seus fios, logo ela sugaria tudo dele. ㅡ Você sabe que ela é quem provocou a última briga? ㅡ Começou.
Como assim? Eu sei que você ficou incomodada- ㅡ Cecília voltou-se bruscamente, parecia que iria começar a gritar, ao contrário, sua ameaça se tornou um sussurro sibiloso e agressivo.
Incomodada? Ela tava de papinho com alguém no celular, eu vi ela dando uma risadinha pra tela, quando pedi pra ela mostrar com quem falava ela mudou de tela e eu percebi, ela tava cagando pro meu pedido de desculpas, eu sei disso, e mais, certeza que ela tava pensativa porque eu quase morri lá na garganta enquanto ligava pra ela, foi totalmente culpa dela, e isso aconteceu na tarde do dia que ela morreu. ㅡ Subitamente Cecília parou, mas continuava próxima, seus olhos gravavam cada centímetro do rosto de Izumi. ㅡ Ela ficou com alguém na festa?
Eu não acho-
Ela ficou ou não ficou? ㅡ Izumi desviou o olhar, tentou tomar ar para se desvencilhar da pergunta. Cecília levantou o dedo pedindo pra ele ficar calado. Pegou um dinheiro do bolso e jogou na mesa. ㅡ Eu sabia. Ela nunca se importou comigo.
Ce-
Cala a boca! ㅡ Ela começava a soluçar. ㅡ Ela nunca me amou... Já chega.
Cecília, onde cê tá indo? Ce- Volta aqui! ㅡ Tarde demais, ela bateu a porta da lanchonete, e já estava em sua moto.
Realmente, Laísa não era uma pessoa que gostava muito de ouvir. Mas ela gostava de contar suas histórias, das mais bizarras até as mais interessantes. Nos últimos tempos, entre uma volta do namoro com Cecília e outra, ela tinha conseguido colecionar histórias do quanto ela estava se descobrindo, e entendendo quem ela queria ser. Laísa tinha seu plano de se mudar, estudar jornalismo, e viver uma vida longe do controle da mãe e dos avós, mas ela também queria ser alguém de destaque no mundo. Seus desejos eram gigantes, não cabiam naquelas relações que ela tinha.
Izumi sabia que cedo ou tarde ela começaria a se distanciar dos outros, incluindo ele, assim como ela foi se afastando de Cecília. Ele não tinha esse pensamento, por ele, de alguma forma eles poderiam continuar se vendo, talvez fosse bom ser alguém como ela. Contudo, Cecília estava desolada, provavelmente tentaria algo, esse era o preço de ser alguém como Laísa, as pessoas se magoam, com motivo... Ele estava magoado com ela, o que aconteceu com a garota era um presságio do que seria feito com ele, mas nada superaria a dor que ele estava sentindo, não tinha mais nada a ser feito.
Ela morreu, jamais ele conseguiria fazer ela mudar de ideia sobre deixá-lo para trás, como ele tentaria se a situação fosse outra. Foi assim que ela reatou tantas vezes com Cecília. E agora ele estava sozinho, até mesmo Rian estava morto. Sobraram sua mãe e Bruno, e eles estavam ocupados demais para fazer companhia. Uma semana era o que eles tinham para capturar o Fantasma. E agora ele se perguntava se Cecília ficaria bem. Seus pensamentos se esvaíram com o toque do celular. Sua mãe o ligava. Isso estava sendo raro nos últimos dias.
Alô?
Oi filho, tudo bem? ㅡ A voz dela estava mais aguda...
Tô bem sim, mãe, e com você?
Uhum... ㅡ A voz dela tremeu um pouco.
Aconteceu alguma coisa? ㅡ Ela expirou sonoramente, como se preparasse.
Você vai conhecer seu pai, amor. Eu achei ele, Alê! ㅡ Um lanço subiu pela garganta de Izumi. Tudo rodou. ㅡ Alê? ㅡ Ele não sabia se conseguiria responder.
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Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.