Capítulo 42 - O diabo do banco traseiro.

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Aquela estava sendo uma semana difícil. Sete funerais, e Sandra estava naquele que tinha deixado seu filho mudo. Alexandre ficou em casa, dormindo, ou fingindo, ela não sabia. Ele estava lá com Victor, ele ouviu e ficou preso lá, sozinho, com um cadáver. No escuro, sentindo o corpo contra o seu, preso, sentindo o cheiro de sangue e fluídos corporais do amigo. Alexandre ficou sozinho até que Melina tomasse coragem e saísse da sua própria situação. Ela também não estava lá no funeral. De sua turma da escola não tinha mais ninguém. Estavam todos exaustos, Victor tinha sido o último a ser enterrado, devido ao tempo de morte dos outros.

Sandra acompanhou a todos igualmente, ela precisava analisar cada uma das pessoas. Para facilitar a cobertura ela e Bruno ficavam trocando de funeral, quando estava sendo duplo, a fim de analisar as pessoas que lá estavam. Marie estava lá, ainda que desse para perceber a atadura em seus pulsos debaixo de sua blusa. Ela estava tendo a coragem de aparecer. Ela estava tendo coragem, ou apenas não se importava mais? Aquilo tudo poderia estar sendo culpa dela, e mesmo assim ela estava lá. Nenhuma lágrima, ela costumava chorar nos funerais dos amigos. Agora dos cinco sobreviventes de três anos atrás, sobraram apenas quatro.

Alê estava tendo aquela sorte, começou com sua melhor amiga sendo brutalmente assassinada por um maníaco, depois seus outros amigos de escola, aqueles que ele sempre teve por perto, desde criança, sendo brutalmente mortos em uma chacina que perdurou o dia todo e levou o seu mais novo amigo, e confidente. A polícia não pôde fazer nada, não teve como saber de nada, era um peão na mão dos assassinos. Com as autópsias, Sandra sabia a hora da morte de todos pelas mãos do, agora intitulado, Fantasma e as vítimas do Monstro.

Aparentemente o banho de sangue iniciou com o Fantasma, atacando Melina e matando Leandro no bosque do condomínio. Carro algum entrou lá na hora da morte, e não havia ninguém nas ruas que pudesse tê-lo visto. Depois, o Monstro finalmente reapareceu, fazendo duas vítimas separadamente. A ausência dos pais de Murilo, foi a deixa perfeita para que ele pudesse atrair Luciano, negligenciado pelos familiares, para um canto afastado da cidade e o matar após o amigo. Os pais de Valentina estavam fora, mas isso não impediu ela de ser morta pelo Fantasma, e Rian não escapou das lâminas do Monstro.

O que aconteceu na casa da menina foi algo à parte, parecia que o Monstro tinha seus planos, e que em uma situação inversa da com a Veneza, o Fantasma sabia disso. Foi no horário aproximado do que Maya e Renata ligaram assustadas para a delegacia, uma distração. Então além de invadir "o território" do veterano, o mais novo assassino também demonstrou saber fazer seus jogos, e mais ou menos no mesmo horário enviou as fotos para Marie no hospital. O que culminou em uma quebra de contrato e na morte de Victor. Era como se estivesse se reafirmando para o Monstro... O Fantasma o estava desafiando, mas ao quê? Ao título de assassino mestre da cidade? Ridículo. O que estava acontecendo?

Sandra não tinha entrado para ver quem estava velando o corpo, era mais fácil esperar saírem, porém uma ponta de curiosidade fez com que ela quisesse saber quem era o pai de Victor. Essa curiosidade já havia feito ela se levar para muitas situações incômodas, homens cabeludos e de barba eram uma nova tendência, mais uma vez, então não importava quando fosse, se fosse loiro e alto, Sandra procurava saber mais sobre o fulano. Mas ela também sabia que aquele moço da praia já tinha quase sua idade, talvez a pressão da sociedade tivesse feito ele cortar as madeixas, então nem os homens loiros de cabelo curto escapavam, os grisalhos muito menos. Ela ainda sonhava, ela precisava sonhar, pelo seu Alê, ela tinha que continuar se deixando levar pela curiosidade.

E foi assim que ela ficou ali, parada, catatônica, olhando para o homem à sua frente. Alto? Sim. Loiro? Sim, porém já com pinceladas grisalhas. Cabelo longo? Curto. Barba? Curta, por fazer. Olhos? Os mesmos brilhos, porém, ao invés de alegria, um pouco de tristeza. Como era o rosto do rapaz? Se cortasse o cabelo, aparasse a barba, envelhecesse alguns anos e ganhasse alguns quilos, aquele seria o rapaz da praia. E Sandra continuava ali parada, ela não iria tirar o pai do luto pelo filho, ela não sabia a dimensão daquilo sobre o homem, mas ele estava a olhando. Ela sentia algo em seu peito a puxando para perto dele, e ele a encarava desde o momento em que ela pisou na sala de velório, era como se também buscasse nela a menina mestiça do luau.

Sandra deu o primeiro passo, e o segundo passado, e o terceiro, e adiante. Ele ainda a olhava, parado, catatônico, como quem vê uma assombração. Os olhos de Sandra pesavam toneladas, todo aquele peso que cai sobre os seus ombros em velório agora pesavam de verdade nela. Talvez fosse melhor ela dar meia volta, mas agora já estava tão perto que sentia o perfume dele cobrindo o cheiro das flores no caixão. Não tinha mais volta, a curiosidade dela a levou longe demais, não tinha mais o que fazer, a não ser dançar ao tom da música. Uma música melancólica, triste, doída. Era como se ela revivesse todos aqueles anos grávida, cuidando de Alê, crescendo Alê, sendo mãe, uma mãe que nunca pôde contar com um pai, mas essas não eram todas? Quase. Ela tinha de se focar, estavam frente a frente e ela estava calada, ele também.

Prazer, Sandra, mãe do Alexandre Izumi. ㅡ O rosto dele se iluminou, ainda que com um brilho triste.

O prazer é meu em conhecer a mãe do rapazinho, seu filho é muito inteligente.

Obrigada... Vim dar as condolências, meus pêsames, Victor era um rapaz muito querido pelo Alê, aposto que um ótimo filho. ㅡ Lágrimas caíram dos olhos do homem.

Obrigado... Victor era muito especial sim, Sandra. ㅡ O homem riu brevemente, com o que parecia ser uma memória rápida passando em sua cabeça. ㅡ Ele inclusive estava empenhado em descobrir quem era uma garota da minha época de faculdade, segundo ele, já tava na hora de eu começar a me relacionar de novo.

Aé? ㅡ Sandra deixou escapar um riso amigo, mas já pensava no que viria a seguir, com o homem tomando ar para falar.

Sim, sim... E ele tava convencido que era você. ㅡ O olhar do homem parecia a amarrar. ㅡ Eu acho que também estou. ㅡ Sandra podia ouvir a voz de Victor sugerindo que ela conhecesse seu pai... Era por isso que ele e Alê saíam tanto? Alê também queria encontrar o pai todo esse tempo? Alê...

Pois... Eu não sabia disso, mas passei quase dezenove anos da minha vida procurando pelo pai do meu filho. ㅡ O homem desviou o olhar para o caixão

Então acho que após eu enterrar meu filho a gente deva conversar.

Sim.

Depois de uma longa hora à beira do caixão, o homem enlutado decidiu ir embora. Virou-se apenas para se deparar com Sandra ainda o esperando. Sorriu e se aproximou.

Vocês se conheceram em um luau beira mar? ㅡ Não podia ser verdade...

Exatamente-

Prazer em finalmente saber seu nome, Sandra, ainda que em circunstâncias assim... Me chamo Albert, e acho que devemos conversar sobre nosso filho.

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