Capítulo 21 - Com ele ao lado.

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Renato tinha chegado em menos de dez minutos. Alessia abriu o portão pelo interfone e desceu para recebê-lo. Ele a olhava com os olhos arregalados. Ele a olhava procurando ver se tinha alguma coisa errada. Ela o chamou e os dois subiram as escadarias. Alessia tentou não falar nada pelas escadarias, para que os outros moradores não escutassem. Mesmo que Renato continuasse insistindo incessantemente. Entrando no apartamento, Alessia fechou a porta e trancou girando as chaves até o limite. Renato estava parado, apenas a olhando, ainda boquiaberto. Alessia estava acostumada a vê-lo apenas fardado, então o fato dele estar de moletom da blusa às calças, chinelo e camisa de pijama, era realmente uma visão estranha.

O que tá acontecendo?

Caeu... Caeu que invadiu aqui. ㅡ Renato inclinou a cabeça para ela. E depois começou a rodar, dando passos para a frente e para trás, tentando olhar os cômodos. ㅡ Ele não entrô dessa vez, pode ficá calmo... ㅡ Renato parou, e voltou sua atenção para ela.

Então... O que cê qué que eu faça?

Eu posso ficar na sua casa? Eu não me sinto mais segura... E não quero relatar pra Carva-

Mas você precisa abrir um boletim de ocorrência... ㅡ Ele em toda sua altura e cuidado se aproximou. ㅡ A gente pode fazer isso amanhã, juntos. O que acha? ㅡ Alessia cruzou os braços e tentou olhar para a parede, não queria que ele a visse assim. Ela era a durona da dupla.

Eu... Preciso pensar, okay?

Okay. ㅡ Ela voltou-se para ele, e aqueles olhos gigantes e castanhos. Pareciam olhos de bezerro.

Enquanto isso eu posso ficar na sua casa, então?

Mas é claro, cê sabe que sempre tô de portas abertas.

Então só espera um minuto que eu vô pegar minhas coisas.

Alessia dividiu as malas e bolsas de acordo com o que ela precisaria. Deu algumas para Renato, e juntos foram até o carro. De lá partiram rumo ao apartamento dele. Era estranha a sensação de Renato estar dirigindo um carro, e não a viatura de sempre. Principalmente a noite. Principalmente no meio daqueles casos. Ele aos poucos estava se recompondo e lutando contra seus fantasmas, mas tudo ainda estava no início. Alessia sabia que Marie tinha que fazer logo as entrevistas. E elas precisavam de tempo para ter o aval de Carvalho, e conseguirem preparar tudo para que a jornalista tivesse sucesso. Aquilo precisaria de um tempo, o qual, pelo que Alessia sabia, os assassinos não dariam. Duas vítimas. Dentro de uma semana. A situação poderia piorar muito mais. Muito mesmo. Assassinos... Alessia sabia muito bem que poderiam ser pessoas totalmente diferentes, ao mesmo tempo em que poderia ser uma única pessoa. Da última vez, ela e os investigadores só descobriram que eram dois, pois havia testemunhas. Dessa vez, não tinham ainda pista concretas. Somente um comentário do filho de Sandra, sobre uma pessoa mascarada no dia da apresentação. Máscaras... Por quê tinham que usar malditas máscaras?

Renato dirigia suavemente pelas ruas, ainda que rápido, ele era cauteloso, e a prática tinha o ajudado. Ela sabia dirigir, mas há tempos que não pegava no volante e saía por aí. Até porque não tinha carro. Até porque não via necessidade de usar carro quando sempre tinha uma viatura a esperando quando ia trabalhar, e ela gostava de fazer tudo a pé. Mas agora sentia falta de se ver protegida por uma grande armadura de metal à sua disposição. Finalmente chegaram na casa de Renato.

Ela era consideravelmente pequena. Mas tinha muros altos, e um grande portão onde poderia se proteger. Tinha uma garagem até que espaçosa, e os cômodos não eram tão pequenos. Entraram na sala, que tinha um sofá bastante considerável, e ela sabia que mais para a frente tinha a cozinha-copa do amigo, e mais ao fundo o quarto e o banheiro. Renato, de certo, não era muito ligado em fazer uma faxina periódica, mas sua casa não era tão suja. Na pia sempre tinha louças para lavar, e na parte de fora sempre tinham roupas para recolher. E ele não fazia questão mesmo, a não ser que precisasse sair de casa sem a farda, e isso se ele estivesse sem roupas para usar.

Eu vô arrumar o quarto pra você e já trago as coisas aqui pra sala-

Não precisa... Sério.

Você fique quieta. Aqui nessa casa cê é visita, e meus pais me ensinaram muito bem que visita pode ficar no quarto, onde é mais confortável, e tem mais privacidade.

Mas daí cê vai ficar na sala desconfortável no sofá? ㅡ Ele simulou estar bravo. Ela gostava desse jeito meio infantil dele.

Primeiro que volta e meia eu durmo nessa sala, eu até prefiro. Segundo, amanhã eu e você temos que ir cedo pro quartel, então a senhorita precisa ter um relaxamento adequado, depois do que aquele desgraçado fez.

E terceiro? ㅡ Ela sorria o desafiando. Talvez agora ele ficasse realmente irritado.

E terceiro que a casa é minha e você dorme a onde eu te mandar dormir. Entendido?

Sim, senhor.

Então fechado.

Enquanto Renato arrumava as coisas, e pelo o que Alessia tinha visto de relance, tentava esconder a bagunça no guarda roupas. Ela foi ao banheiro escovar os dentes, e urinar. O que ela não contava, era que o chão do banheiro estivesse tão molhado, ao ponto da sola do seu calçado acabar sujando o piso. A tampa da privada também estava bem molhada, e o assento... Ela contou pelo menos umas quatro camadas de papel higiênico, para que ela pudesse começar a se sentir segura, para se aliviar sem medo. Renato precisava urgentemente aprender a lavar o banheiro uma vez por semana. E lavar bem, ao ponto de talvez ter que fazer uma compra por mês só de produtos de limpeza. Da porta ela escutava portas abrindo e batendo, tecidos sendo arrastados. Depois de ouvir ele indo para a sala, limpou-se, lavou a mão e já saiu.

Renato falava da mãe com muito carinho. Como uma lembrança muito querida. E realmente ela deveria ser. Pelo o que ela veio a saber, depois de dois anos trabalhando juntos, o pai dele tornou-se viciado em certas substâncias e jogos. Conforme o azar dele acontecia, mais dívidas se acumulavam. Conforme mais dívidas se acumulavam, mais coisas começavam a faltar em casa. E assim nasceu a necessidade de Renato começar a trabalhar, e a aprender a renegociar dívidas com seus doze anos. Sua mãe também passou a trabalhar meio período, enquanto seu pai acabou perdendo o emprego, tendo que começar a fazer bicos aqui e ali.

Sua mãe trabalhava no turno da tarde, e seu horário se estendia até altas horas da noite. E não muito raramente, seu pai conseguia alguns trabalhos da noite para a madrugada. Em um desses dias, entre seu pai sair de casa, e sua mãe voltar, aconteceu uma coisa que o Renato de dezesseis anos nunca foi capaz de esquecer. Seu pai havia bebido demais e saiu. Arrumou briga com um homem no bar onde estava. O cara estava armado. E muito alterado. Foi o tempo dele puxar o gatilho, e a mãe de Renato se apressar da esquina até o próximo do marido. Ele saiu ileso. Ela recebeu o tiro no peito. O filho, nesse momento, estava terminando de preparar a mesa para a mãe jantar. Depois de horas esperando, ficou preocupado e começou a ligar. Quem atendeu foi seu pai.

O atirador tinha uma família bem de vida. Ele tinha a pele branca, e um carro bacana na garagem. A família de Renato tinha acabado de vender o carro para pagar boa parte das dívidas, e a pele não era tão bem vista. A polícia não foi de muita ajuda. O atirador estava "se defendendo". Se defendendo de um homem menor que ele em altura, e a pele levemente mais escura. Ainda assim. Era um branco contra um negro. Para onde a balança pesaria mesmo? Foi por isso que Renato decidiu ingressar na academia de polícia. Parte por conta do dinheiro que seria para ajudar o pai. Que hoje estava bem e se tratando. Parte seria para fazer com que a balança fosse regulada.

As mortes das jovens era a balança sendo desregulada. Dessa vez, com outras coisas pesando. Promessas estavam sendo enterradas de acordo com os caprichos de alguém. Na primeira leva eles mal conseguiram fazer alguma coisa. Praticamente assistiram os acontecimentos. E ainda um escapou ileso. Agora estava tudo recomeçando. E já que ele não sabia das investigações secretas, ele estava voltando a se sentir um espectador daquele jogo doentio.

Alessia colocou um pijama mais fresco. A casa de Renato estava bem abafada. Foi checar ele na sala. O coitado já estava desmaiado. Mas não deixou de resmungar quando ela desligou a televisão. Ela tomou um copo de água na cozinha. Desligou todas as luzes que conseguiu. Deitou no colchão mole e fino de Renato. Tentou usar das cobertas para elevar uma das pernas. Abraçou um travesseiro. Respirou fundo. Estava protegida, ainda mais com seu amigo no cômodo ao lado. Adormeceu.

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