Capítulo 49 - Xeque-mate.

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Marie desceu os degraus da portinhola no assoalho daquela sala. Atrás de si estava Carlos, e atrás dele o policial Martins. O espaço era extremamente escuro, cheirava a pó, umidade e tinha um leve odor de esgoto. Ela logo percebeu que todo o espaço era apenas um corredor que seguia eterno pela escuridão, suas paredes eram interrompidas por portas metálicas e azuis, em parte enferrujadas, porém largas. Ali embaixo Martins tomou a dianteira e seguiu até uma terceira porta. A abriu trazendo a porta para o espaço quase apertado daquele corredor de concreto gélido, morto. Ele sorriu para Marie e Carlos.

Sabemos que não é muito confortável, mas fizemos o possível. ㅡ Ele não entrou. Esperou que se aproximassem. ㅡ Como podem ver, descemos algumas camas do alojamento, e até conseguimos uma televisão... Essa sala era o escritório de um comandante, então o banheiro é mais privado e tem algumas tomadas, só não posso prometer um bom sinal de internet, mas acho que não ficarão aqui por muito tempo. ㅡ Ele não parava de esfregar os dedos entrelaçados, e mexer os punhos, e passar as palmas na calça das fardas. Seu sorriso parecia levemente mais desesperado do que amigável. ㅡ O que acharam?

Obrigada pela preocupação, Martins. De verdade. ㅡ Ela olhou para Carlos que sorriu e assentiu para o policial.

Sim! Obrigado, Martins, tá melhor do que imaginamos que seria. ㅡ Tentou brincar, o menino.

Bom... Já que estão confortáveis, vou deixar vocês aqui e voltarei lá pra cima. Acho que logo a major vem ver vocês. ㅡ Ele deu um tchauzinho e sumiu com a lanterna. Seus passos ecoando na escuridão.

A única iluminação que tinham no espaço era a do celular de Carlos, mas logo acharam o interruptor e todo o espaço daquela sala se acendeu em uma luz amarela que aquecia o espaço. No banheiro a lâmpada já era mais nova, porém não deixava de ser um espaço simples. O chuveiro não era dos melhores, e não tinha nada que impedia a água de se espalhar pelo pequeno cubículo. O espelho tinha manchas pretas de deterioração, mas ainda dava para ver o rosto.

Vendo o espaço das camas pela porta do banheiro era como ter uma visão mais assustadora. Um quarto quase como o de cativeiro, as paredes de um cinza melancólico e concreto irregular, a porta que dava para uma escuridão densa e fria. Marie já não queria que Carlos começasse a perceber o espaço, até porque ele ainda estava desfazendo as malas e ajeitando as coisas. Estava sendo prestativo ao seu modo.

A jornalista seguiu até a porta e com um rangido a fechou. Para puxar o trinco, teve que ter muita paciência, pois ele se movia com pequenos movimentos de cima para baixo e na lateral, até encontrar com a parte de metal com a qual fechava. Colocar o cadeado foi mais tranquilo. Logo ela percebeu que o teto era mais baixo que o de seu quarto, e que não haviam janelas. Aos poucos o quarto ganhou um ar morno e parado, de um jeito tão pesado que ela teria que arrumar alguma coisa para sair disso. Martins disse que logo Carvalho desceria, e ela esperava que fosse um logo mais próximo. Aquele quarto diminuía mais e mais com o passar dos demorados, eternos, minutos.

Carlos não demorou até tirar alguns utensílios e os organizar. Organizou os artigos de higiene no banheiro, fez um cantinho com comidas. Ajeitou as malas em cantos que não atrapalhariam circular pelo espaço mínimo. Em seguida começou a testar a televisão. Marie deitou-se em uma das camas, sua cabeça pesava, assim como seus olhos insistiam em se fechar. Ela então cedeu.

E mais uma vez a planície preta se mostrou aos seus pés. Uma brisa morna logo a envolveu. Seus cabelos balançaram com um vento quente que corria para um lado quase a puxando e então uma parede circular de fogo se formou e ela se viu no centro. A parede se aproximava mais e mais, e ficava imensamente maior a cada segundo sugando todo o oxigênio dos pulmões de Marie. E assim ela viu as chamas à um palmo de seu corpo, de seu rosto e dela os olhos de Valquíria surgiram em um rosto entorpecido, em seus lábios um suave sorriso, que virou um largo sorriso, e assim como seu rosto se contorceu em uma risada que não superava o som do fogo, aos poucos a carne se descolando com o calor, abrindo fendas, mostrando sua carne, até mostrar os músculos expostos de toda uma metade do seu rosto. Marie não conseguia se mexer. Olhar as estrias na carne de sua irmã, e os tendões estava fazendo sua garganta travar, tornando ainda mais difícil respirar. E Valquíria gargalhava sem deixar escapar som algum, até que um estalo metálico a fez saltar na cama.

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