Capítulo 40 - Uma última emboscada.

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Estava sendo difícil se olhar no espelho, e não repudiar a imagem que via. Estava vivo, e praticamente intacto, enquanto seus amigos foram mortos pelo capricho de dois desgraçados que estavam os perseguindo. Gael odiava seus cabelos "grandes demais para um menino" e castanhos. Odiava sua pele bronzeada por diversos fins de semana em sua casa às margens da represa. Odiava seus olhos com olheiras parcialmente camufladas, e com aquele maldito brilho melancólico. odiava seus lábios finos e seu nariz pequeno e esguio. De todos, apenas restavam Val, Mirtho, Marie e ele. Na verdade, ele nem sabia se Val estava mesmo contando, desde a morte da sua irmã ela cortou laços com todos, assim como Antoni e Alejandro.

Seu celular começou a tocar. Então um som de notificação soou, ele destravou o celular. Era uma mensagem de Valquíria, pela foto do aplicativo. Ela estava amarrada, seminua em um canto. Outra foto era de uma faca sendo apoiada no pescoço dela. Mas tudo tinha acabado. Não haviam acontecido ataques há pelo menos um mês. E agora aquilo. Em seguida mensagens de texto saltaram. "No prédio na frente da Gypsy's", "Você tem 30 min", "Venha sozinho", "Estarei te observando", "Uma polícia se quer e eu mato ela".

Gael sabia que era uma emboscada. Ele morreria, ou deixaria Valquíria morrer. Ele aguentaria mais uma pessoa morrendo e ele continuando vivo? Ele merecia continuar vivo? E como ficaria Marie se sua irmã morresse? Ela estava quebrada por dentro. Ela viu tantos corpos... Na verdade ela estava presente em todos os ataques. Ela e Mirtho. Gael não deixaria ela perder alguém tão próxima quanto a própria irmã. Ele era o namorado, Valquíria era família. E ele manteria a família dela viva. Chamou um carro e saiu em direção ao enorme prédio abandonado.

"Cheguei"

"No prédio", "Tem uma porta no corredor", "Aberta"

"Certo"

Ele seguiu pela calçada de concreto. Era fim de tarde. O vento frio já corria pela cidade. Nas sombras entre os prédios havia um frio úmido que doía em sua pele. Caminhou até achar a tal porta. Empurrou-a. Ela rangeu ecoando por todo o edifício. Dentro, poeira no chão, e nas coisas cobertas pelas sombras daquelas paredes sem iluminação. Teias de aranha como algodões pelos cantos das coisas e paredes. Suas narinas queimavam com o forte cheiro de mofo e pó. Escutou os sons secos de passos subindo as escadarias.

Subiu degrau por degrau. Não queria fazer muito barulho, assim como não queria fazer parecer-se desesperado. Seu peito queimava e suas têmporas doíam fortemente. Não estava respirando suficientemente. A visão queria escurecer, mas ele deveria ser forte. Por Marie. Valquíria precisava dele, e ele ajudaria a irmã de sua namorada. Nem se ele tivesse que morrer por isso. cada degrau a mais, era como se a sensação de perigo aumentasse. Podia escutar a própria corrente sanguínea em seus ouvidos. Será que se ele morresse, tudo acabaria? Mas o que estava realmente acontecendo? Porque estavam morrendo essas pessoas? E justamente pessoas próximas à Marie? Talvez ele conseguisse derrubar o assassino e descobrir os detalhes.

Logo no primeiro andar que acabava a escada de incêndio, ele viu a porta metálica aberta. Entrando, deparou-se com um pequeno labirinto de salas e corredores. Virou para a direita, para a esquerda. Voltou. Conforme a sensação de algo dando errado começasse a aumentar. Ele precisava achar Valquíria. O que aquele desgraçado poderia ter feito com ela nesse meio tempo? Ele tinha que achá-la. O medo, conforme ele imaginava aquele homem despindo Valquíria, molestando ela, que certamente estava desacordada, esse medo acabou virando um crescente ódio reacendendo seu corpo. Seus braços e pernas e cabeça ardiam em chamas e ele começou a correr pelo espaço. Já não ligava mais para discrição. Ele mataria aquele monstro se fosse necessário.

Correu e deu meio volta, até perceber que só tinha uma porta fechada. Estava ofegante, suando, mal conseguia escutar os próprios pensamentos. Mesmo assim andou até a porta. Marie. Mortes. Sangue. Amigos. Família. Pais. Salvar. Valquíria. Girou a maçaneta. E lá estava sua cunhada com os braços e pernas amarrados. O desgraçado a colocou sentada, de frente para a porta. A boca dela estava selada por uma fita cinza. Ela ainda estava desacordada. Gael fechou a porta e correu na direção de Valquíria. Tentou acordá-la, mas ela devia estar drogada. Começou a tentar desamarrar as mãos dela. Depois os pés. A porta se abriu. Em um salto ele voltou para fechá-la e deixar o assassino para fora. Não havia chave para trancar a porta. Teria que esperar aquele desgraçado se cansar. Virou-se para checar Valquíria. Ela não estava mais no canto. Ao virar-se para o lado sentiu dedos correram pelo seu cabelo. Em seguida bateu com força a cabeça, e foi jogado no chão. Via tudo embaçado.

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