Extra - O cartomante

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As pessoas dizem que tudo é culpa, causa ou maldição do destino.

Elas se arrastam por suas vidas miseráveis condenando, culpando e justificando suas míseras ações, realidades pueris e necessidades asquerosas apenas como justificativas que não foram elas as culpadas.

Temem a própria sombra que se arrasta em cada fosso, em casa retransia, em cada esquina de suas obras impronunciáveis e alguns até mesmo abominam ainda que se deleitem em segredo com seus monstros em seus armários.

A humanidade possui uma intricada e absurda atração pelo desastre e destruição e em minha opinião são a mais asquerosa das criaturas.

E o meu melhor entretenimento.

Hábitos humanos me divertem e suas tragédias me fascinam.

Talvez posso ser comparado com o cão que assiste o rato tentar sair da ratoeira com vida. É um drama minúsculo, mas viciante. Onde ao final, o descer das cortinas, o rato será esmigalhado pela armadilha da sua própria fome.

A encenação pela sobrevivência do rato é ainda mais interessante do que a dança insignificante dos humanos em busca das respostas que nunca vão ter, porque simplesmente não sabem fazer as perguntas certas, entretanto os ratos encenavam menos, e o bom teatro precisa de plateia e por isso aqui estou eu, em mais uma das capitais deste mundo irrisório, tirando minhas cartas para mais um dos mais de sete bilhões de amantes da desgraça; este contudo, com um destino atual fadado a traições de pessoas próximas e a perda de um filho por sua própria culpa.

— Mas... Mas eu...

— As cartas nunca mentem, senhor Pam – Disse ao homem que enxugava o suor de modo nervoso enquanto olhava a mesa posta que disposta entre nós dois, revelava todo o seu passado e presente aos meus olhos treinados. Sorri, pois de fato até que era deveras interessante a vida daquele homem – Você escolherá o lado errado e pagará com vida e o futuro do seu único filho.

— Mas o que devo então fazer!?

— Nada, suas escolhas já foram feitas. Seu destino é esse, a não ser que algo extraordinário aconteça antes, mas veja, nada é certo, a lua está em seu futuro e a lua é instável, ela tem quatro fases, será uma roleta russa, qualquer que seja o caminho que tente trilhar agora.

— Eu pago o que for, mas me dê uma alternativa!?

— Dinheiro não muda destinos, senhor Pam. Decisões certas, sim. A foice te aguarda.

Falei um pouco cínico, talvez. Adorava que pessoas tentassem barganhar comigo, um mero mensageiro das suas próprias desgraças.

O homem se ergueu indignado e saiu da minha sala de modo frenético enquanto eu ria divertido. Humanos...

— Senhor?

Dejavu entrou em seguida fechando a porta atrás de si e me olhando com seriedade.

Ela era minha assistente desde que o mundo era mundo, nos dávamos bem, para dois exilados sem pátria, terra e ironicamente: destino. Estávamos juntos no mesmo barco que afundava de novo e de novo, e o tempo nos fez quase consonantes em aspectos circunspectos de consciência.

— Outro cliente?

— Há algo neste. Só queria que soubesse.

Eu fitei os olhos de Dejavu com atenção, mas ela exibia apenas certo grau de atordoamento passivo.

— Ainda estamos com tempo hábil até o sol nascer, deixe que ele entre. Vou embaralhar as cartas. Amanhã estaremos em outro lugar, seja o que for que esse humano tenha de peculiar, ele não vai cruzar nosso caminho outra vez.

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