Peguei no sono na banheira.
Não me surpreendi quando acordei, horas depois, com a água já fria e meu corpo relaxado. A água me receberá bem demais, depois de um longo e estressante dia, para que eu não me deixar levar. Minha recompensa era a energia que eu sentia outra vez pulsando nos meus ossos, traduzindo-se em magia faiscando na ponta dos meus dedos: já fazia tempo que eu não usava meu poder e ele, depois que todo o resto foi devidamente resolvido, agora clamava minha atenção. Foi um alívio deixar que um pouco daquilo, mesmo uma fração tão mínima, saísse de mim quando fiz a toalha vir em minha direção, enrolando-a no meu corpo enquanto meus braços permaneciam parados acima da cabeça.
Saindo da pequena piscina que era a banheira, escutei o lado de fora com atenção. Ainda estava cedo o bastante para minhas companheiras dormirem, mas eu sabia que não por muito tempo. Era o suficiente, porém, para que eu me esgueirasse e pegasse uma muda de roupas das minhas limitadas opções e voltasse para o banheiro – uma operação rápida, simples e necessária, uma vez que não era do meu interesse deixar que qualquer uma delas enxergasse o quanto eu era destruída. Seus olhares e palavras não ditas eram o suficiente sobre minhas mãos sem que elas vissem todo o resto.
O ato não foi tão rápido quanto eu planejei, porém, quando minhas pernas travaram na porta. Havia um pacote na minha cama que não estava lá na noite anterior. Sufocando lembranças da última vez que havia recebido um presente de surpresa, lutei para me agarrar a lógica enquanto avançava em direção a caixa. Era bonita, mas não tão bem decorada ao ponto de me parecer festiva. Era mais achatada do que alta, larga também, e demorei um momento para reconhecer a embalagem. Eu já a tinha visto algumas vezes durante meu verão no Beco Diagonal, em algumas tardes que gastei na companhia de Adeline, embrulhando encomendas em troca de um pouco de sua companhia em tempo – ela era divertidíssima e não me importava com o trabalho.
Meus dedos pegaram o cartão dobrado em cima do pacote, uma pequena parte de mim dividida entre o alivio e a decepção ao perceber que a situação não havia se repetido. Sufoquei ambas com veneno e impaciência, abrindo o pedaço de pergaminho e reconhecendo a letra tombada e firme que parecia nunca fazer muito esforço para melhorá-la na hora de passar instruções no quadro. Senti a ponta dos meus lábios irem para cima ao ler as poucas palavras que ele havia se dignado a me dirigir, rodopiando e agarrando a caixa nos braços antes de voltar ao banheiro com passos rápidos, não mais necessariamente para fugir de uma atenção que não queria.
Tente não destruir este.
S.S.
Desembrulhei o pacote, meu reflexo no espelho revelando olhos brilhando que fiquei feliz de Capitão Gancho não estar presenciando. Ainda era uma surpresa para uma parte escura e deformada de mim, uma que Greta havia torcido com primor ao longo dos anos, o fato de alguém me dar qualquer coisa, gastando seu tempo e dinheiro com minha existência. O suéter de Molly Weasley, eu lembrava, havia sido a primeira vez em anos desde que ganhara qualquer coisa... e a primeira vez, provavelmente, que havia ganhado de bom coração, uma vez que os Lewis não deviam estar muito contentes nos poucos aniversários ou celebrações que passei com eles.
Afastando a lembrança dos mortos da minha mente, me concentrei no novo e bonito uniforme organizado na caixa. Parecia ser do meu tamanho, mas mais importante, parecia novo. Um conjunto novinho de uniforme de primeira mão, direto da Madame Malkin. Gancho não havia poupado nada: meias, saia, blusa, gravata, capa e até mesmo o chapéu que nunca havia conseguido comprar – no primeiro ano por usar o dinheiro para Joan e, neste, para pagar alguma coisa pelos livros de Lockhart, que recusei a oferta gratuita de Hugo. Um arrependimento, inclusive.
Passei os dedos pelo tecido, maravilhada pela maciez. Depois de tanto tempo, estava começando a me acostumar mal com todas essas roupas novas. Não me lembrava da última vez que havia tido tantas. Talvez com os trouxas, de novo. Greta havia queimado a mala que eu tinha com o que eles me compraram quando voltei para o Santa Maria, em uma versão muito mais macabra e cruel do ritual padrão de entrada em instituições deste tipo: descaracterização. Depois disso, tudo que consegui haviam sido doações que o orfanato arrecadava e então o uniforme de segunda mão de Hogwarts. Os suéteres de Molly Weasley, minha jaqueta e agora meu uniforme eram as melhores peças do meu escasso guarda roupa – e eram todas presentes. Presentes para mim.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Corona II
FanfictionAlvo Dumbledore havia dito que algumas perguntas devem permanecer sem respostas e, na opinião de Malorie Lewis, ele estava certíssimo. Depois de ajudar a salvar a Pedra Filosofal de Lorde Voldemort (e de ter seu próprio confronto com o bruxo malign...