Consertei o vaso rachado e sequei o chão alagado do banheiro quando saímos, repetindo o processo com o corredor, satisfeita de já não precisar dizer o feitiço na terceira vez. Aos olhos questionadores dos meninos, apenas encolhi os ombros. Havia uma parte de mim que conseguia se compadecer com o zelador por seu estresse e angustia por Madame Nor-r-ra e ainda outra, que foi decisiva em ajudar, que se lembrava de passar noites e dias inteiros limpando até não sentir mais os braços ou as pernas – seja pelo ato em si, seja pelos cilícios me devorando a carne e manchando o chão com meu sangue na mesma rapidez que eu o esfregava.
Me despedi dos leões na escadaria em frente ao Salão Principal. Enquanto eles buscavam o jantar ainda de mochila nas costas, desci em direção ao meu dormitório para me livrar da minha e do diário que pesava e queimava através de minhas vestes. Sem surpresa encontrei o lugar vazio – minha visita a enfermaria havia dado tempo o bastante para que minhas companheiras se considerassem arrumadas o bastante outra vez para se sentar à mesa. Isso me deu tempo e privacidade o suficiente para me sentar na cama, deixando a mochila aos meus pés, e segurar o diário outra vez.
Mordi o interior da bochecha em resposta a onda que correu por mim, partindo da ponta dos meus dedos e indo até meu coração pesado e se acelerando. Respirei fundo, os dedos firmes e gelados em contato com o couro gasto, obrigando meu corpo a se acostumar com a magia dele, a engolir ela ao invés de se engasgar. Me concentrei na própria sensação dos meus ossos formigando e minha pele sendo esticada para fugir do lugar escuro, usando o desconforto como ancora para o mundo real. Não era do meu interesse voltar para lá, tinha coisas mais importantes para fazer do que lidar com meu monstro desperto outra vez, inquieto e acuado. Respirei fundo e chutei sua fuça, o mandando para o fundo do abismo, onde era seu lugar.
Batida por batida, senti meu coração se estabilizar. Ainda havia tensão em meus ombros, meu corpo pronto para lutar ou fugir, mas considerava um avanço minha respiração clara e meus sentidos em ordem. Folheei outra vez o diário, página por página, conferindo que não havia qualquer pingo de tinta ali. Franzindo as sobrancelhas, cheguei e puxar minha varinha e bater três vezes nas páginas amareladas.
— Aparecium — ordenei o feitiço que revelava tinta invisível, mas nada aconteceu. Revellio também se provou inútil. Prendendo a frustração na garganta, guardei a coisa dentro da gaveta do móvel de minha cabeceira e fui jantar. Tinha um objetivo no Salão Principal naquela noite e mantive meus olhos nele durante toda a refeição. Era impressionante o que algumas horas haviam feito.
Gina Weasley parecia ter voltado três meses em três horas. Ela estava sentada à mesa da Grifinória, voltada para uma provável colega de dormitório, e seus lábios se mexiam com pressa. Fazia muito tempo desde a última vez que havia visto a garota falar tanto, ou sequer levantar os olhos de seu prato. Havia cor em suas bochechas e leveza em seus ombros, como se houvesse se livrado de um fardo inconcebível. Tive a gentiliza de esperar que ela se levantasse antes de andar em sua direção, a interceptando na saída do Salão.
— Oi, Mal — ela me cumprimentou com muita mais bom humor do que a última vez. Olhando mais de perto eu podia respirar sua melhora, literalmente. O ar a sua volta parecia puro, como abrir as janelas em um cômodo esfumaçado e sentir a diferença entre um ambiente intoxicado e outro não. Seus olhos ainda tinham olheiras e sua pele permanecia pálida, mas nada que uma noite de sono não fariam sumir. — Como está? Não te vejo desde o Natal.
— O mais apropriado seria o contrário, não acha? — Arqueei uma sobrancelha, recebendo um sorriso acanhado de resposta. A menção de sua reclusão social mal foi uma sombra no castanho de seus olhos, queimada de uma vez só antes mesmo que tivesse uma chance. — Você parece estar bem, algum motivo particular?

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Corona II
FanfictionAlvo Dumbledore havia dito que algumas perguntas devem permanecer sem respostas e, na opinião de Malorie Lewis, ele estava certíssimo. Depois de ajudar a salvar a Pedra Filosofal de Lorde Voldemort (e de ter seu próprio confronto com o bruxo malign...