Incumbências ao Cerne

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A boa noticia é que alcancei Gina Weasley antes que ela se refugiasse, em plena tarde de domingo, na Torre da Grifinória – ou, melhor dizendo, em seu dormitório. A outra boa notícia era que a garota estava engolida por um mundo próprio e sequer notou que estava sendo seguida. Péssimo sinal, apesar de ótimo para mim: eu já havia visto Ginevra em cima de uma vassoura. Era boa tanto como apanhadora como artilheira, ambas posições que exigiam reflexos afiados e clara visão periférica. Sem desprezar minhas habilidades de me esgueirar atrás de alguém, mas eu sequer tentei.

A noticia ruim é que talvez já tivesse sido tarde demais. Alcancei-a ainda no segundo andar, precisando segurar em sua roupa para parar seu trajeto. Como no dia anterior, ela olhou para mim confusa e assustada antes que o reconhecimento e um breve alivio passassem pelo seu rosto sardento. Tive, pela segunda vez, quase uma reação física ao seu nervosismo e culpa. Ela fugiria de novo, se eu deixasse.

— Em que mundo está vivendo, Gina? — Arqueei uma sobrancelha para ela, analisando seu rosto. — Eu te chamei duas vezes. Não ouviu?

— Não — me respondeu depressa, um sorriso frágil brincando nos lábios. Não chegou aos seus olhos. Era como se a garota não estivesse ali. — Desculpe, Mal, mas não ouvi. Tenho andado com tanto na cabeça, sabe... Hogwarts não é nada fácil.

— Está com dificuldade nas matérias? — Virei a cabeça, suavizando minha voz, focando em seus olhos. Não que eu acreditasse, mas queria ver até onde ela se contorceria para se livrar de mim. — Eu fui a melhor aluna do primeiro ano, claro, com exceção de Hermione. Pode pedir ajuda para mim ou ela, é verdade que os professores não conhecem a compaixão.

— Não precisa, de verdade, eu dou um jeito — murmurou com o desconforto crescendo. A Weasley costumava ter olhos da cor e da doçura do chocolate, eu não reconhecia mais essas esferas nubladas com picos de energia. — Inclusive, estava indo para o dormitório fazer alguns deveres, então se me der...

— Ora, Ginevra, fugindo de mim? Pensei que tivéssemos ficado amigas durante as férias — cortei suas desculpas, deslizando um passo em sua direção. Seja o que fosse, ainda era uma leoa e não recuou, mas um novo tremor passou por suas mãos. — Já é a segunda vez que me dispensa. Fiz algo de errado?

— É claro que não! — Gina foi rápida em responder e, por um momento, consegui ver a garota vigorosa de onze anos que me lembrava das duas últimas semanas n'A Toca. — Me desculpe por ter dado essa impressão, é que estou mesmo ocupada. Não é nada com você, Mal, eu juro. Não tenho tido tempo para falar nem com o Rony. Só Fred e Jorge tem mais frequência, mas isso porque eles não esquecem de mim da mesma forma que meus outros irmãos fazem.

— Os gêmeos gostam muito de você — minha voz veio com carinho e, mais uma vez, consegui trazê-la de volta: um sorriso terno e pequeno veio em seus lábios. — É uma pena que o irmão com a idade mais próxima a sua não lhe dê o mérito merecido, mas ao menos você tem outros cinco para compensar. Sinceramente, não acho que seja tão difícil preencher o espaço do Rony. Só uma metade dos gêmeos já dá conta do recado.

Weasley explodiu em uma risada repentina e curta, mas verdadeira. O foco e brilho voltaram aos seus olhos, que se estreitaram com quase malicia demais para alguém de onze anos.

— Ou só Fred — ela cantou, os lábios torceram em um sorriso sugestivo. — Sabe quem gosta muito de você? Ele. Ficava de cochichos com o Jorge, muito feliz quando você veio passar as férias lá em casa. Nunca vi ele descer na hora exata para as refeições, mas você fazia e ele também passou a fazer.

— Um pequeno habito do orfanato — murmurei de forma distraída. Eu já sabia que Fred Weasley prestava atenção especial a minha pessoa desde que me deu chocolates no ano anterior, deixando implícito que, em algum momento, me levaria para comer doces exóticos do mundo bruxo com ele pela primeira vez. Ouvir a irmãzinha dele o entregando era motivo de risada, seja ela de nervoso ou não. Se ele me chamasse, aceitaria? Não havíamos nos falado desde o Expresso para Hogwarts e não nos víamos desde a manhã anterior, no campo de treino de quadribol. — Mas não mude de assunto. Então é apenas com seus irmãos com quem fala? Mais ninguém?

Corona IIOnde histórias criam vida. Descubra agora