Pureza Valiosa

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O inverno se firmou na semana que se seguiu e trouxe com ele alguns acontecimentos notáveis. O primeiro deles foi o fenômeno dos talismãs em Hogwarts. Teve inicio ainda no domingo e, durante o decorrer dos dias fiquei abismada sobre como os professores podiam ser obtusos – ou os alunos o exemplo da discrição. O comércio totalmente ilegal de amuletos protetores corria pelos corredores, ultrapassando anos vencendo barreiras entre Casas. Nascidos trouxas e até mesmo mestiços buscavam formas de se protegerem do Herdeiro, ou ao menos a sensação de que estavam seguros de alguma forma.

Quando Neville Longbottom comprou uma grande cebola fedorenta, uma pedra roxa pontiaguda e um rabo de lagarto já podre dos gêmeos Weasley (fonte dos principais produtos), ninguém pôde convence-lo de que não fazia o menor sentido. O Herdeiro tinha tantos motivos para ir atrás dele, um puro-sangue pertencente às Sagradas Vinte e Oito, quanto de Daphne ou Malfoy.

— Melhor não arriscar, Mal — o garoto gorducho balançou a cabeça enquanto enfiava suas compras nos bolsos das vestes. — Todo mundo sabe que sou praticamente uma aberração.

— Você não é uma aberração, Neville, nem perto disto — rebati com minhas sobrancelhas juntas. — Só por ter dificuldade em certas áreas...

— Em todas as áreas — o rosto desanimado do garoto me fez suspirar. A avó tinha feito um excelente trabalho em acabar com sua imagem. — Só sou bom em Herbologia. Mal sei segurar uma varinha e minhas poções sempre são desastrosas e...

— Eu estou ouvindo o Snape sair da sua boca, Longbottom, e isso é preocupante — interrompi sua auto depreciação. Neville fechou a boca, as bochechas vermelhas, mas os olhos ainda tristes. — Escute, eu já lhe disse, se tentar relaxar as coisas podem mudar. Você se cobra demais por isso fica nervoso e se atrapalha, o que geralmente resulta no fracasso.

— Mas eu tenho que me cobrar — o grifinório insistiu, batendo os dedos nas vestes de forma nervosa. — Vovó sempre diz sobre meu pai... ela me deu a varinha dele, sabe? Ele foi um grande bruxo, muito talentoso e poderoso. Foi auror. Eu tenho que honrá-lo.

— Eu tenho certeza que seu pai não gostaria que o honrasse ficando tão triste consigo mesmo desta forma — fiz da minha voz suave. Havia sempre essa distancia quando o assunto eram os pais do garoto, essa tristeza no fundo de seus olhos castanho-escuros. Neville havia sido criado pela avó e nunca, nem uma vez, explicara a razão disso. Como órfã, escolhi respeitar sua privacidade. — E usar uma varinha que não tenha te escolhido nunca vai te dar bons resultados. Sua avó devia saber disso.

— Talvez saiba, Mal — um sorriso fraco apareceu em seus lábios. — Mas, de novo, não custa nada prevenir, certo? O Herdeiro pode me mirar pelo simples fato de ser uma vergonha para os puro-sangue.

E foi embora antes que eu pudesse, mais uma vez, puxar sua orelha por tanta falta de consideração consigo. Longbottom tinha um bom coração – puro e amigo. Mas o peso de sua avó e o ideal utópico de seu pai eram uma muralha em seu caminho. Eu sabia que o garoto não tinha qualquer impedimento físico ou mental ou mesmo mágico que o fizesse tão desastrado. Era apenas sua insegurança, nascida e alimentada por gente querendo que ele fosse outra pessoa.

De toda forma, a verdade deve ser dita mesmo que cruel, pois fui criada por uma cobra que não fez questão de me ensinar os rodeios sociais que os humanos são habituados. Uma delas era que Neville era uma baixa preocupação na minha cabeça, ainda mais com o objeto escondido queimando pesado no bolso das minhas vestes. Eu havia o tirado do pequeno pacote ainda naquela noite do domingo e, como toda a minha vida, era claro que não havia nada fácil. Nenhum mapa, nenhum "ei, é aqui que sua família vive, segue abaixo o número de contato". Só mais uma peça, só mais um enigma, só mais um pedaço de um ano inteiro da minha vida que havia sido arrancado de mim.

Corona IIOnde histórias criam vida. Descubra agora