Eu sabia que iria ser um desastre quando Lockhart deixou a varinha cair depois de fazer um floreio complicado na tentativa de ensinar alguma coisa a Harry e Snape, Salazar tenha piedade, sorriu. Observei enquanto o homem flutuava com o canto dos lábios erguidos em direção a Draco, surrando algo em seu ouvido – baixo demais para conseguir escutar com o burburinho ansioso da plateia. Mas Malfoy soltou uma risada odiosa que fez os olhos frios brilharem como aço de espada ao trocar farpas sussurradas com seu adversário.
— Três... — Gilderoy iniciou a contagem após bater no ombro de Potter de jeito quase encorajador, se não fosse sua completa burrice. Porém, como o leão que era, o garoto manteve a varinha firme e os olhos concentrados. — Dois... Um... Agora!
— Serpensortia!
Draco quase não esperou a contagem terminar: levantou o braço na velocidade de um pomo de ouro e apontou em direção a Harry. Não foi, no entanto, o Feitiço de Desarmar que escolheu, ou qualquer outro encantamento ou azaração que eu conhecesse. Nenhum clarão colorido ou jato de magia, apenas uma explosão na ponta de sua varinha antes que uma cobra tão escura quanto Lagrum caísse pesadamente no chão entre ambos, erguendo-se no mesmo instante, seu bote armado.
Houveram gritos. O círculo de alunos se abriu ainda mais, assustado e horrorizado, mas não me mexi. Permaneci parada, os olhos presos no réptil escuro. Devia ter por volta de dois metros com a grossura de uma perna, além uma cabeça triangular para informar que era venenosa. Criada do nada e sem proposito algum, ela se enroscou ao tentar entender o ambiente, mais disposta a atacar pelo medo do que por qualquer outra coisa.
— Não se mexa, Potter — era a voz de Severo e me obriguei a tirar os olhos da cobra por um momento para guardar seu rosto. Era prazer em seu sorriso afiado, no deboche que se acumulava nos olhos. Ele sentia tanta satisfação por colocar uma criança na frente de um animal perigoso e letal que senti meu estômago afundar e minhas cicatrizes queimarem. Eu conheci uma pessoa assim, uma vez. Ela também tinha essa expressão quase faminta ao contemplar o medo. — Vou dar um fim nela...
— Permita-me! — Lockhart não poderia perder a chance de se exibir. Se adiantou para frente, gritando e brandindo a varinha, que pelo menos não saiu voando desta vez. Mas a cobra, por outro lado, foi arremessada para cima com estrondo ao invés de desaparecer, chegando a três metros antes de despencar outra vez com um barulho alto e quase nauseante. Quando ela voltou a se erguer, furiosa e indignada, e deslizou em direção ao garoto lufano que fizera dupla com Emily – presas amostra e bote armado – eu soube que tudo que ele tinha eram segundos.
— Deixe-o em paz! — A voz de Harry explodiu em um grito e precisei de meio segundo para perceber que não era bem a voz dele. Mais fria, de alguma forma, arrastada e um pouco chiada. Apenas uma vez eu já tinha ouvido mais alguém falar naquele tom, e não era bem um se humano. Então quando a Língua das Cobras saiu em perfeição da boca do Garoto de Ouro, cheguei a piscar e sentir minha boca aberta. Não que eu fosse de toda surpresa, afinal, ele também ouvia os sussurros da criatura de Slytherin, mas me parecia apenas errado. Como uma peça forçada a se encaixar no quebra-cabeça.
Potter, de qualquer forma, conseguiu que a cobra interrompesse o ataque ao garoto lufano, um tal de Justino, se o terror dele estivesse chegando em mim com precisão. Ela se virou e ficou de frente ao leão, a língua bifurcada saindo e voltando várias vezes de sua boca ainda aberta, as presas pingando veneno. O analisava, cheirava, sentia. E, assim como eu, também percebeu o erro primal – a capacidade não condizia com seu nervosismo, com sua tensão e ansiedade. Harry não sabia o que estava fazendo, mas ela sim.
Você não tem poder, ela sibilou a sentença, arrogante e desdenhosa. Ela mudaria o alvo, sem problema nenhum atacaria aquele impostor ao invés do menino apavorado. Sabia exatamente onde ficava seu pescoço e, no silêncio de chumbo que caia no Salão Principal, nem mesmo Snape poderia levantar a varinha com rapidez o suficiente. Ele esperaria demais, já estava esperando. O corpo da cobra se retesou, o sibilo profundo e longo fazendo o medo alheio lamber minha pele, mas o empurrei. Não era meu.
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Corona II
FanfictionAlvo Dumbledore havia dito que algumas perguntas devem permanecer sem respostas e, na opinião de Malorie Lewis, ele estava certíssimo. Depois de ajudar a salvar a Pedra Filosofal de Lorde Voldemort (e de ter seu próprio confronto com o bruxo malign...