Visão Passada

2K 295 299
                                    

Já era quase meia noite quando Potter e eu nos enfiamos em uma sala vazia.

Como de costume, minha aula particular com Snape se arrastou até nove e meia da noite. E digo arrastar pois foi uma particularmente longa. O tempo passou tão devagar como quando Lagrum me fazia ficar de ponta-cabeça, apoiada apenas nas minhas mãos, ou revezando entre elas. Ao menos ele tinha tido a cordialidade de me entregar um lencinho na saída para que eu limpasse o sangue que escoria do meu nariz depois que tentou rachar minha c cabeça de dentro para fora.

Eu não tinha nenhum prazer especial em sentir dor, mas também não estava nada disposta a encarar o necessário para chegar a poção que aliviasse minha enxaqueca, guardada no móvel de minha cabeceira. Não estava tarde o suficiente para garantir que meus colegas de casa estivessem na cama e, para o bem de todos, era melhor que eu lidasse com suas indagações curiosas e venenosas apenas pela manhã. O preço do bem comum, no entanto, foi a sobrancelha levantada de Harry quando me viu chegar na detenção com sangue nasal sendo estancado.

É claro, porém, que isso não sensibilizou o zelador. Ele nos levou para um corredor conhecido, o mesmo cheio de armaduras que Neville havia tropeçado em nossa fuga da sala de troféus, no ano anterior. Ele nos entregou dois pedaços de pano e alguns produtos de limpeza e se sentou em um canto, observando-nos lustrar os metais antigos exibidos ali. E vou te dizer, não foi nada comparado a minha última detenção, no banheiro feminino. Apesar de não desaparecer, minha dor de cabeça recuou com o tempo e a pouca luz, sem falar dos movimentos ritmados e mecânicos de limpeza. Meu nariz, também, fez o favor de parar de sangrar um pouco antes de eu ser obrigada a pedir mais um pano para Filch.

A companhia de Potter, também, era uma distração bem-vinda. Apesar da vigília do velho sobre nós impossibilitar que abríssemos a boca, ele não podia controlar nossas mentes. Por várias vezes tivemos que esconder o rosto na dobra dos braços, com a desculpa de estarmos descansando, apenas para rir no máximo de silêncio possível. Claro que agora era muito engraçado lembrar de Longbottom se espatifando no chão, o rosto vermelho e em desespero da corrida, o barulho estrondoso da armadura caindo acordando até os mortos. Na hora, por outro lado...

Argus nos deixou ir embora duas horas depois, resmungando tanto que eu sabia que estava exagerando. Modéstia parte, por nossa criação, eu e Harry sabíamos como deixar algo limpo. O zelador com certeza esperava que fossemos para nossos dormitórios, aproveitando o resto da noite para descansarmos nossos braços (e, em meu caso especial, minha mente) para o dia de aula que se aproximava. Era o que gostaria de ter feito, admito. Mas Potter havia trago em seus bolsos o diário e um frasco de tinta novo, além de duas penas – fato que, aliás, nem me causou surpresa. Com o tamanho daquelas calças, herdadas de seu primo, ele poderia colocar um bolo inteiro ali dentro.

Andamos o bastante para despistar o velho, então demos meia volta e nos encontramos em uma sala vazia cheia de carteiras velhas amontoadas. O fato de já estarmos quebrando regras e nos colando em risco após termos, literalmente, acabado de sair de uma detenção não abalou em nada o ânimo do meu amigo. Ele estava sorrindo para mim quando, com um pensamento, fiz a ponta de minha varinha acender. Seus olhos verdes reluziam na meia luz, o bastante para eu enxergasse o brilho que também acendia os meus.

Em silêncio e com expectativa no ar, nos sentamos lado a lado em uma das carteiras, com o diário a nossa frente. As mãos ansiosas de Potter o tocaram primeiro, folhando com uma calma cirúrgica cada folha e comprovando o que já havia me dito: não havia uma gota de tinta sequer. Com o coração batendo forte contra o peito, alcancei o frasco novo e o abri, olhando por um momento nos olhos do garoto enquanto molhava a ponta de minha pena. Quando a ergui em direção ao caderno, ouvi Harry prender a respiração.

Corona IIOnde histórias criam vida. Descubra agora