Tivemos que sair do escritório de Dumbledore em algum momento. No caso, não foi muito depois, quando ele mesmo nos escoltou para a enfermaria outra vez. A maior parte do castelo estava tomando café naquele horário, mas não todas, e apenas a presença do diretor ao nosso lado impediu que fossemos violentamente assediados. Não escapamos, porém, de seus olhares e gritos altos, dos dedos apontados e dos nervos agitados. Fiquei mais que feliz de me refugiar na ala hospitalar outra vez, prolongando minha indiferença a toda essa comoção pelas próximas horas. Tomamos um reforçado café da manhã e, mais uma vez, Madame Pomfrey nos forçou ao sono. O que não era algo que eu iria reclamar depois das turbulentas emoções que tive que passar e engolir nas primeiras horas da manhã, se querem saber.
Foram preciosas três horas de sono e, ao ser despertada para meu compromisso de almoço, eu me sentia tão preparada quanto algum dia poderia estar para reencontrar meus parentes de sangue mais próximos. Não era muita coisa, visto que eu ainda sentia vontade de correr na direção oposta, mas era o bastante para me manter no lugar. Comi de forma corajoso o prato que as cozinhas mandaram para nós, muito mais pelo olhar crítico e severo de Poppy do que por apetite, e tinha terminado as últimas garfadas quando uma batida na porta me disse que meu tempo havia acabado. Troquei um olhar com Potter, um que ele me desejou as mais sinceras boas sortes, e então soltei o ar pelo nariz.
Lucius e Narcisa Malfoy não esperaram permissão para entrar.
Não podia ligar menos para o primeiro, dando-lhe atenção o bastante apenas para notar que estava limpo do incidente de mais cedo: arrumado e impecável como se nunca houvesse sido lançado contra a parede por seu antigo criado. A mulher me parecia muito mais composta do que a última vez que a vira, menos propensa a se rasgar em lágrimas em público, mas isso não significava que seus sentimentos haviam sido totalmente enterrados. A forma como seus olhos foram para minhas mãos expostas, inclusive, mostrava que havia sim seguido meu conselho e feito alguma reunião com Dumbledore durante o dia anterior. Eu sentia seu coração batendo rápido, sendo comprimido e apertado por camadas demais de dor e culpa e saudade e alivio.
Me deixei olhá-la com mais atenção, agora. Era muito mais bonita do que eu havia reparado. Tanto em nosso primeiro encontro, como nas fugazes lembranças que eu tinha sobre ela. Alta e elegante, com uma postura graciosa e reta. Seja por magia ou simples conveniência do universo às belas e ricas, a cada passo que dava, suas saias iam para a direção oposta, criando um balançar peculiar. Vestia um vestido longo e de corte reto, branco e com listras muito claras e horizontais nele, que ia até um pouco depois de seus joelhos. Um cinto fino e dourado ornava em duas voltas sua cintura fina e longa, cravejado de forma discreta com brilhantes que bem podiam ser pó de diamante, de tão finos e pequenos.
O vestido não tinha mangas, liberando seus braços para a manhã fresca da primavera, e sua pele era alva e lisa – provavelmente muito macia, se tocar. A pele de quem nunca teve de rolar se esfolar para qualquer coisa, jamais. O decote era discreto, com a gola da veste me parecendo uma gola de ternos, quase formal. Havia dois pares de botões dourados, dois de cada lado, que eu não poderia dizer se eram pura decoração ou não. De decoração, inclusive, lady Malfoy exibia um grande broxe em seu peito direito no formato de flor, tão translúcida que quando a luz atravessava criava arco-íris, e brincos do que poderiam ser prata, cristal ou ouro branco – eu não saberia – redondos em suas orelhas. O cabelo loiro-claro, apenas um tom mais escuro que o platinado do marido, estava penteado para trás e mantido assim. No rosto, fiquei feliz de não encontrar quase nada: assim eu poderia registrar seus traços delicados e olhos azuis como eram. Não eram claros como os de Dumby, mas verdadeiramente azuis. A cor primária, a cor do céu limpo e promissor.
Ela tinha o nariz pequeno e arrebitado e os lábios em formato de coração.
Eu também.
— Você já comeu — ela foi a primeira a falar, parada perto da minha cama, os olhos pousados na bandeja e no prato vazio em meu colo. — Seu tio e eu estávamos pensando em lhe levar para almoçar.

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Corona II
FanfictionAlvo Dumbledore havia dito que algumas perguntas devem permanecer sem respostas e, na opinião de Malorie Lewis, ele estava certíssimo. Depois de ajudar a salvar a Pedra Filosofal de Lorde Voldemort (e de ter seu próprio confronto com o bruxo malign...