Órfã

2.7K 418 159
                                        

Por sinal, foi bastante fácil uma pré-adolescente de doze anos chegar até a capital. Bom, talvez o fato de confundir a mente dos trouxas com a minha tenha facilitado o trajeto. Dumbledore não se orgulharia disso, mas nem eu fiquei particularmente feliz em dobrar a consciência fraca e desprotegida deles. Era apenas necessário se eu não quisesse algum adulto enxerido ligando para a assistência social e dizendo coisas como "olá, tem uma criança sozinha na beira da estrada pedindo carona, podem vir aqui?". Com minha habilidade (que eu já havia chegado à conclusão de ser parte da minha própria existência e não detectável pelo Ministério) cheguei à Londres em duas horas.

Minha boa memória foi responsável em me guiar em direção ao Caldeirão Furado. Não sabia o que iria encontrar lá, mas era o único lugar que eu conhecia além do orfanato. O endereço de meus colegas de casa e dos leões estavam guardados na minha mochila e vou admitir que pensei bastante neles, mas desisti de ir a qualquer lugar. O que eu diria aparecendo na porta dos outros dessa forma? Poderiam me receber, mas duvido que seus pais e responsáveis seriam tão abertos a uma órfã de malas prontas e arriscar não era algo em consideração, bom, ao menos não hoje. Não agora.

Já era tarde da noite quando passei pela porta da taberna/hospedaria bruxa. A sensação de alivio genuíno me fez abandonar qualquer hesitação infantil que ainda tivesse. Era como jogar água em uma queimadura. Eu podia respirar outra vez e nem mesmo o fato de ser uma fugitiva e provável moradora de rua com uma serpente gigante nas minhas costas e um passado sombrio escondido no meu malão encolhido conseguiram me tirar o sorriso. Pude respirar de novo e de fato sentir o ar preencher meus pulmões – magia. No ar, nas pessoas à minha volta, na madeira e nas pedras que mantinham o lugar em pé.

Eu ficaria bem.

— Mal! Não acredito, o que faz aqui?! As férias ainda estão na metade! — Fazia muito tempo que não via Tom, o dono do Caldeirão Furado. Durante meu ano em Hogwarts trocamos cartas com frequência, mas não era o mesmo do que ouvir sua voz e observar seu sorriso. — Finalmente veio visitar o velho Tom, hem? Venha, venha cá! Diggory, esta é Malorie Lewis!

Ignorei o silvo impaciente de Lagrum e deixei meus pés me levarem até o homem. Ele não estava atrás do balcão, coordenando pedidos com sua varinha, como da ultima vez que o vi. Dessa vez ele estava no salão, bem em pé ao lado de uma das mesas compridas enquanto conversava com um homem baixinho e grisalho, mas com um sorriso tão aberto quanto o seu. Na frente dele havia um rapaz de olhos castanhos e cabelos da mesma cor, com sorriso e gestos menos espalhafatosos que o mais velho, mas nem por isso menos simpáticos ou agradáveis. Grudou os olhos em mim – era um garoto bonito. De pele pálida, lábios retos e maxilar forte. Não me era estranho, também.

— Eu conheço você? — A pergunta saiu de forma legitima. Salazar abençoe Severo e suas aulas dolorosas: a mente dos três homens eram silêncio para mim. Orbitei naquilo, na quietude construída que aprendi, e isso tornou meu sorriso mais honesto enquanto ele respondia. 

— Não particularmente — sorriu. Até sua voz era agradevel. Tinha um timbre descontraído, forte. Estava ali alguém que acordava nas manhãs pronto para viver. Ansioso pelo que a vida aguardava. — Eu sou do quinto ano, me chamo Cedrico. Mas, mesmo assim, eu com certeza já ouvi falar de você. Papai, se lembra? Contei sobre o que aconteceu no final do ano, com o professor Quirrell...

— Pelas barbas de Merlin, é verdade! — O pai respondeu. Olhando de perto, era claramente o pai. Tinha os mesmos olhos castanhos atrás dos óculos e estendeu as mãos para mim, apertando as minhas com firmeza. Não pela primeira vez, agradeci as luvas que as cobriam. Que situação seria se ele sentisse minha pele destroçada. — Muito prazer, mocinha, sou Amos Diggory. Você está em que ano em Hogwarts? Não no mesmo do meu filhão, pelo visto.

Corona IIOnde histórias criam vida. Descubra agora