Em Presas e Veneno

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Eu vou poupar vocês do pior dos detalhes pois, para ser bem honesta, nem me lembro bem. Vi e revi a lembrança várias vezes no futuro, em especial na tentativa de compreender melhor o que havia acontecido antes de registrar. Nunca funcionou. Minha mente ainda não estava em seu juízo perfeito ao voltar dos mortos e simplesmente não conseguiu processar todas as informações que aconteceram de uma só vez. É sempre notável registrar como as emoções atrapalham o registro das informações da memória: a maioria dos que estavam ali também guardaram um pedaço bastante confuso e caótico dos acontecimentos, mas vamos ao que eu consigo me lembrar.

Pomfrey devia estar a um passo de usar a varinha como porrete, pois sua enfermaria havia virado uma sala de reuniões. Lá estavam os Weasley: Gina, Ronald e seus pais. Harry estava na cama ao meu lado e Draco Malfoy praticamente em cima de mim. Em uma cama afastada estava uma cabeleira loira suja que pertencia a um Lockhart dopado e, perto da porta, os três professores mantinham sua posição de adultos centrados ao não participar do pandemônio que se instaurou quando voltamos. Draco e Ronald haviam sido mais rápidos em nós alcançar (ou sempre haviam estado lá, encolhidos no espaço pequeno do colchão?), mas Ginevra chorou e gritou ao pular da cama, vindo aos tropeços e soluços em nossa direção.

Ela chegou em Harry primeiro. Talvez em uma reação quase animal, ao ver que um dos seus já estava lá. Eu vi quando ela o abraçou e chorou, pedindo perdão por tudo, afirmando que não queria ter feito tudo que fez. Disse tudo isso em menos de trinta segundos, em uma voz aguda e falhada e eu me afundei contra Malfoy, que havia ido para meu lado na cama, se sentando com as costas apoiadas no estrado e que me acolheu como se fizesse isso todo o tempo, um braço ainda envolta de mim. Sua mente era um paraíso, fresca e agradavelmente gelada contra todos os focos de explosão que me rodeavam. Eu não as queria, vá me desculpar, mas não queria mesmo. As de Draco eram mais fáceis, na verdade, ele tinha uma sensação de tão absoluta paz e alivio que me lembrado do lugar onde eu estava, muito diferente das enchentes de choque, alegria, alivio e medo que rodopiavam com a força de um furacão naquele lugar.

Você é realmente difícil de matar, não é?

Sorri para isso, sua presença em minha mente e na minha alma, uma constante que me fez falta do outro lado. Lagrum estava enrolado no meu tornozelo e o apertou, só um pouquinho, só o bastante para provar que era real – eu, ele, nós. Eu estava viva. Queria me inclinar e encostar nele. Queria que estivesse em seu tamanho real para o abraçar, mesmo sabendo que ele desdenharia e reclamaria, ao mesmo tempo que nunca me afastaria, me segurando entre suas dobras fortes e me deixando ali, segura e protegida. Foi a primeira vez que senti o coração apertar ao voltar, o significado e a dimensão do que eu havia passado começando a se instalar nos meus ombros. Mas eu os engoli, mesmo assim, e soltei o ar pelo nariz.

Já é a segunda vez e contanto, meu amigo.

Foi neste momento que Gina resolveu levar os olhos até os meus. Sustentei seu olhar, mais curiosa do que tudo com sua reação. Sei que um nome pesava entre nós: Tom Riddle. Até onde ela sabia sobre minha relação com ele? Até onde eu sabia sobre a relação dela? Tom teria contato seus segredos? Eu a odiava? O rosto dela foi ficando cada vez mais vermelho, enquanto as lágrimas continuavam a vir, límpidas e puras de seus olhos de um tom castanho chocolate. Os lábios tremendo, o nariz vermelho e o pedido silencioso que eu não precisava ter acesso à sua mente para ouvir: me perdoe?

Uma parte de mim quis perguntar a razão. Perdoar por não me ouvir, tanto tempo atrás e em outra vida (literalmente), e continuar mexendo com o diário esquisito? Perdoar por ter fugido de mim o ano inteiro, não deixando que eu a ajudasse? Perdoar por ter mentido na minha cara? Perdoar pelos seus sentimentos cruéis em relação a mim e minha amizade com sua paixonite de infância? Perdoar por saber, tantas vezes, que eu via que algo estava errado com ela e mesmo assim não pensar em mim como alguém que a ajudaria? Que poderia a ajudar? Por tornar tudo tão mais difícil, se arrastando por todo o ano, arrastando mais e mais pessoas e piorando tudo?

Corona IIOnde histórias criam vida. Descubra agora