Quando acordei no dia seguinte, mal tive tempo de aproveitar o conhecimento de ser domingo. A primeira coisa que senti foi Lagrum, acordado e inquieto, então me embrulhei um pouco mais nas cobertas e deixei que minha mente fosse até a dele. Não era comum meu amigo estar acordado em plena luz do dia, mas eu podia muito bem imaginar o motivo. Me acomodei na representação de sua árvore, respirando fundo e deixando que me inspecionasse. Eu me sentia bem, corpo e mente recuperados, mas apenas quando ele mesmo se deu por satisfeito foi que me deixou em paz.
Precisa da minha autorização para começar a juntar as peças, Malorie?
Não me dignei a responder. A verdade era que não tinha tido tempo, mas agora ele havia me forçado a ter. Uma voz vinda do nada que ninguém mais ouvia não era boa coisa no mundo dos trouxas. Ou você estava maluco ou presenciando o além. Depois de um ano no mundo bruxo, eu sabia bem que fantasmas não eram nada do que Hollywood fazia parecer: forças invisíveis capazes de matar um ser humano, destruir coisas e possuir corpos. Eram apenas figuras peroladas com uma forte ligação com sua vida terrestre que não quiseram passar para o outro lado. Não incomodavam ninguém, a não ser que você os atravessasse – era como entrar em uma banheira de gelo.
Então eu estava perdendo o juízo? Com a vida que tive sempre achei que esse dia poderia chegar, mas duvidava que fosse agora. Loucura era uma das últimas possibilidades e a guardei a mais afastada que consegui. A voz me era familiar, me lembrava a de Lagrum em dado nível. Era a voz de uma cobra, tinha que ser. Eu não sabia de outro ofídio nos terrenos da escola, quem dirá no próprio castelo, mas era a única explicação para ouvir algo que ninguém mais pareceu notar. Aquilo estava ecoando pelas paredes, pelo chão e pelo teto com algo deslizando pela construção e não houve a menor movimentação sobre isso. Nenhum curioso esticando o pescoço, nenhuma fofoca sendo construída. Nada. Ninguém mais percebeu.
Com minhas lembranças recuperadas, agora eu tinha consciência de que minha comunicação com Lagrum não era exclusiva. Durante toda minha vida atrai cobras para perto de mim, interagindo com elas de uma forma peculiar para os seres humanos – bruxos ou não. Também graças ao livro que Hermione havia me dado sobre Salazar Slytherin, eu sabia que a ofidioglogia não era um dom comum na comunidade mágica: eram raríssimos os bruxos que tinham conhecimento sobre tal língua, e mais esparsos ainda bruxos que a sabiam de natureza. Esses, os naturais, diziam serem descendentes diretos de Salazar, o mais notável ofidioglota da história. Verdade ou não, era um dom muito malvisto e tremendamente ligado as Artes das Trevas. Provavelmente o fato do último ofidioglota conhecido ter sido Lorde Voldemort não ajudou muito.
Mas isso explicava o motivo de ninguém mais tomar conhecimento daquela voz. Não podiam ouvir. Seja qual for o time de cobra, eu poderia ter certeza que não era comum. Além da sensação anciã, qualquer um poderia escutar o silvo de uma serpente, mesmo que não entendesse. O fato de ninguém ter ouvido, palavras ou sibilos, mostrava que seja o que for falou apenas na minha cabeça. Ou não, de qualquer jeito, dentro ou fora, não haviam sido palavras perceptíveis para ouvidos (ou mentes) sem o dom da Língua das Cobras.
Seja o que for, fique em alerta. É mortal, antigo e alguma coisa o despertou.
— Sim, para matar — retruquei ao massagear minha testa. — Você ouviu, não é? Está faminto e quer sangue. Toda aquela descrição de vontades não me pareceu brincadeira, as pessoas estão correndo perigo.
Menos você.
— Menos eu — concordei devagar, sentindo um gosto envenenado na boca. Apesar da forma como sua presença me atingiu, não havia nada em mim que me mandasse correr, me esconder ou tentar me defender. Aquela voz era algo familiar e sua presença colossal era reconhecida. Seja quem fosse o alvo – ou os alvos – de sua fome, eu não estava na lista. Nem mesmo nos lugares mais baixos. Mas alguém estava e eu duvidava que houvesse alguma coisa que qualquer um pudesse fazer para se defender disso.
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Corona II
Hayran KurguAlvo Dumbledore havia dito que algumas perguntas devem permanecer sem respostas e, na opinião de Malorie Lewis, ele estava certíssimo. Depois de ajudar a salvar a Pedra Filosofal de Lorde Voldemort (e de ter seu próprio confronto com o bruxo malign...