Não havia como voltar agora.
Soltei o ar devagar, sentindo as batidas do meu coração. Um, dois, três. Contei um minuto inteiro e ainda sentia aquele puxão na minha barriga, um gancho bem afiado no meu estômago. Não era do meu feitio ficar nervosa, mas também nunca havia feito nada parecido com isso. Uma coisa era decorar os feitiços no livro-texto do ano. Ou até mesmo me aventurar nos anos seguintes, brincando com alguns que eu gostasse aqui e ali, testando meus limites para magia que nunca pareciam ter fim. Outra era isso. Se eu falhasse eu não ganharia apenas uma nota baixa ou uma pancada no meu ego.
Eu não podia falhar.
Eu não iria.
Olhei para cima enquanto esperava, a floresta quase silenciosa ao nosso redor. É tarde, mas ainda não o suficiente, e Lagrum e eu esperamos o céu se movimentar acima de nós, na clareira ao redor da árvore que escolheu como casa. Era um bom lugar. Selvagem e ainda sim controlado e seguro – eu não seria interrompida por nada ou ninguém e isso era muito importante. Soltei o ar, voltando a prestar atenção em meu coração vibrando pela terra junto as de Lagrum: o dele muito maior e mais poderoso, mas ainda em sintonia. Precisávamos disso, de ser um. Naquela noite e em todas as outras.
O céu negro acima de nós ainda brilhava, pontilhado de mil estrelas como já havia visto tantas vezes. Mas a lua não estava lá. E não esteve lá em algum momento, durante todos os meses da minha vida. Mas hoje sabíamos, eu e ela, que era especial. No dia da Lua Negra ela me mostrava sua face mais escura e eu mostraria de volta. Era por uma boa causa, eu me lembrava. Por Mione. Por Colyn. Por Justino. Por Nick. Por Madame Nor-r-ra. Era pelos olhos fundos de Minerva, era por Hagrid trancafiado em um lugar horrível por algo que não cometeu, era pela confiança de Dumbledore em mim, era pelos olhos preocupados de Fred para sua irmã, que havia voltado a definhar na sua frente.
Era pelo que sobrava da alma de Gina Weasley.
Eu sabia como protege-los Eu tinha que protege-los. Se não eu, quem? Ninguém mais sentia a criatura, ninguém mais sabia a magia, ninguém mais tinha tantas chances. Não com Alvo afastado, não com os adultos perdidos e quase tão apavorados quanto seus alunos. Apertei os lábios um no outro, a lembrança se desenrolando na minha mente. Deixei que o fizesse, ao menos dessa vez. Santa Maria. Tanto sangue, tanta dor, tanto medo. Eu o respirava, sentindo-o afundar meu coração a cada segundo, tão gelado e viscoso que me enjoava. Ninguém viria nos salvar, ninguém veio. Greta estava certa sobre isso. Fiz o que tive de fazer, naquela época. Mesmo que tenha feito tarde demais, mesmo que não tenha conseguido salvar todas.
Você não pode salvar o mundo, filhote. Lagrum me lembrou, atrás de mim, sua cabeça vindo para o meu lado. Virei a minha apenas o bastante para encarar seus olhos, tão negros quanto os meus. Lembrei do que me disse, muito tempo atrás, de como eu não devia pensar duas vezes sobre o vermelho que me turvava. Eu tinha olhos de predador e isso era mais do que qualquer um poderia desejar. Flexionei os dedos, fazendo força para as palavras saírem no silencio da noite.
Eu posso tentar.
Ele não respondeu a isso, assim como nunca respondeu todas as vezes que neguei sua ideia de fugir do orfanato. Lagrum nunca me disse se tomei a decisão certa ou não, nunca chegou a compartilhar seus pensamentos sobre minha teimosia ou rebeldia crônica. Ele apenas aceitou, como fazia agora, e eu só podia esperar estar fazendo o melhor possível. Talvez não o certo, mas o necessário. Flexionei meus ombros, sentindo como movimentou as fundas cicatrizes ao longo de minhas costas. Não queimaram, mas também não eram uma lembrança agradável – a pele era mais macia e fina ali, a cicatrização deixando grande partes dos rasgos altos pela profundidade. Imagino que também não seja nada bonito de se ver, com as linhas ainda escuras criando uma confusão macabra.

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Corona II
FanfictionAlvo Dumbledore havia dito que algumas perguntas devem permanecer sem respostas e, na opinião de Malorie Lewis, ele estava certíssimo. Depois de ajudar a salvar a Pedra Filosofal de Lorde Voldemort (e de ter seu próprio confronto com o bruxo malign...