Camila POV
Caminhando pela rua a caminho da minha floricultura eu quase caí quando senti algo enrolar em minhas panturrilhas, me segurei na parede de vidro de uma loja e comecei a rir quando vi que era um pequeno buldogue francês que havia enrolado sua corrente em minhas pernas, desenrolei a corrente e me abaixei acariciando a cabeça do pequeno animal.
— Me desculpa moça - um garoto que aparentava ter uns 17 anos falou - ela está muito agitada hoje - a cachorrinha não parava de me lamber - parece que ela gostou de você.
— Ela é muito linda - apertei sua barriguinha e passei as pontas dos meus dedos várias vezes ali o que fez ela se deitar e levantar a perninha traseira - ela é sua?
— Não - ele colocou a mão no bolso de sua bermuda - é da minha vizinha, eu passeio com os cachorros do pessoal do prédio em troca de algum dinheiro...
— Qual o nome dela? - ainda acariciava sua barriga, ela estava com a boca aberta e a língua caída para o lado, os olhinhos fechados, parecia até que estava sorrindo.
— É Amora - quando ouviu seu nome ela abriu os olhos e mexeu as orelhas - ela é bem carinhosa e dócil.
— Eu tô vendo - me levantei e passei minha mão mais uma vez na cabeça da pequena Amora em forma de despedida - tchauzinho pequenininha, e você - olhei para o jovem - tenha um bom trabalho.
Ele assentiu com a cabeça e se afastou, fiquei observando a cachorrinha de coleira verde se afastar, ela parecia estar rebolando, sorrir sozinha e voltei a caminhar em direção a floricultura, uma lembrança veio a minha mente, a uns quatro anos atrás eu também tinha um cachorrinho, um russell terrier, na verdade era do meu namorado o Noah, lembrar dele me faz lembrar da flor Antúrio, é uma flor muito bonita mas que faz parte das flores tóxicas, temos que ter cuidado se decidirmos ter elas em casa, ele era assim, bonito mas tóxico, não durou muito e quando terminamos ele levou o pequeno cachorrinho com ele.
Abri as portas da floricultura e virei a plaquinha com o nome "aberto" para o lado de fora, fui até o balcão e deixei a minha bolsa embaixo do mesmo, puxei o ar por minhas narinas e senti vários perfumes de flores diferentes, um sorriso rasgou meu rosto, acho que não consigo me imaginar trabalhando em nenhuma outra coisa que não seja com flores.
— Bom dia flor do dia - olhei sobre o meu ombro e vi Normani entrando - hoje eu cheguei na hora - ela ergueu o braço esquerdo e mostrou o relógio.
— Eu juro que ia te dar um relógio - deixei meu antebraço em cima do balcão e me inclinei para a frente, ela virou o rosto e eu depositei um beijo em sua bochecha - e bom dia, hoje temos que terminar aqueles arranjos ali - apontei pro fim do primeiro corredor - é para entregar, um casamento hoje a tarde.
— Vamos precisar do Nick hoje? - parei um pouco para pensar - se for, eu posso ligar pra ele.
— Não sei, talvez mais tarde quando for para carregar a kombi da floricultura - ela concordou com a cabeça - já tomou café?
— Já sim - ela estendeu sua bolsa e eu peguei deixando no mesmo lugar que a minha - você ainda não comeu né?
— Você sabe que não costumo comer na parte da manhã - dei de ombros e comecei a fazer um coque em meus cabelos - daqui a pouco eu faço um chá e vou no mercadinho mais à frente e compro uns biscoitos.
Ela semicerrou os olhos em minha direção mas não disse nada, ela sabia que não iria adiantar reclamar, ela foi até a salinha que tinha por trás do balcão e voltou já com seu pequeno avental amarrado em sua cintura, fui com ela até o fim do corredor e começamos a contar quantos arranjos já estavam prontos, precisávamos de 50, contei e faltava 17, isso não vai demorar muito.
Peguei as flores e cortei com cuidado seu caule, ajeitei o adubo no pequeno vaso e fui colocando cada flor ali naquela mistura com cuidado, uma música baixa e calma soava por toda floricultura, Normani estava organizando algumas flores em algumas prateleiras, já que faltava poucos arranjos eu conseguiria fazer sem problema algum, acariciei a pétala de uma flor com a ponta do meu dedo e depois inclinei meu rosto encostando a ponta de meu nariz na flor, inalei o seu perfume e fiquei uns segundos com os olhos fechados apreciando aquele momento.
O tempo foi passando e cada vez mais diminuía a quantidade de arranjo que precisava fazer para o tal casamento, decidi que iria sim precisar da ajuda do Nick, Normani ligou para de e em menos de 30 minutos ele chegou na floricultura, estava afobado, um pouco suado, presumo que veio de bicicleta, uma bermuda no joelho, uma camisa um pouco surrada de algum desenho que ele gostava e seus cabelos loiros estavam espetados por conta do vento.
— Cheguei Lírio - ele me chamava assim, ele dizia que o lírio era a flor mais linda e tinha um perfume delicado e que fazia ele lembrar de mim - atrasado?
— Na verdade não - falei sorrindo, me levantei depois que terminei o último arranjo e lavei minhas mãos na pequena pia que se encontrava ali - chegou muito rápido, achei que fosse demorar mais.
— Onde está a Manily? - sim, ele misturou o nome da Normani com o nome de uma flor, ele é adorável.
— Estou bem aqui - ela falou saindo por um corredor e girando nos calcanhares lentamente e passando as mãos na lateral do seu corpo se mostrando - pode me ver agora?
— Posso - ele franziu o nariz fazendo uma careta e sorrindo - então, casamento hein? - se remexeu no lugar - já posso começar a colocar os arranjos no jardim entre rodas?
— Pode sim - falei sorrindo e retirando o no do avental que estava em meu pescoço - a Mani já estacionou ali na frente, enquanto você organiza eu vou ligar para a cliente informando que já estamos indo.
Ele assentiu e foi até a mesa pegando dois arranjos e saindo porta a fora, o Nick é vizinho da Normani, um menino doce e esperto, tem 16 anos, ele vivia aparando grama dos vizinhos e alguns não pagavam, fingiam esquecer, uma das únicas famílias que valorizava seu pequeno esforço era a família da Normani, ela me falou dele e então pedi para que trouxesse ele aqui, isso já faz quase um ano, agora ele trabalha exclusivamente para mim, não é como um trabalho mesmo, só quero ajudá-lo, ele é uma ótima companhia, gosta de ajudar sua família e isso que me fez dar o "trabalho" a ele.
Quando terminamos de colocar todos os arranjos na Kombi, Normani trouxe o buquê e entregou a Nick já que eu iria dirigindo, formávamos uma ótima equipe, eu moro sozinha, meu pai e minha mãe moram em outra cidade, sou filha única, então Normani e Nick são minha família aqui em Melbourne.
O resto do meu dia foi como qualquer outro, o que não fazia ele ser ruim, na verdade todos os meus dias eram bons, na medida do possível e dependendo do ponto de vista de algumas pessoas também, trabalhei, mexi com flores, estava na companhia de ótimas pessoas, almoçamos no nosso restaurante favorito, o Osteria llaria, um restaurante italiano, foi um ótimo almoço, recebi clientes novos, clientes antigos, novas encomendas, e agora estou em meu apartamento, especificamente na varanda onde várias plantas me rodeiam, uma xícara de chá em minhas mãos enquanto observo as estrelas.
As vezes estamos só e nos sentimos sozinhos, vazios, as vezes estamos só e nos sentimentos em companhia de alguém, não nos sentimos mal ou vazios, devemos ficar satisfeitos com nossa própria presença as vezes, isso nos faz bem, não devemos depositar o nosso bem estar apenas em outras pessoas, acharmos que estamos bem ou acompanhado apenas se estiver com alguém ao nosso lado, nós mesmos devemos nos bastar as vezes e isso é tão bom, nossa companhia, desfrutar de si mesma, é o que eu tenho feito ultimamente e está funcionando, está me fazendo bem.
—
Eu peguei uma mania de só escrever se estiver mastigando um chiclete, parece até que o ato de mastigar ou o sabor ou o cheiro do chiclete que me inspira, eu hein, desse jeito vou ficar cheia de cárie.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Soul Meraki
RomantizmMeraki (v); do grego μεράκι, fazer algo com alma, criatividade ou amor. Colocar parte de si em algo que esta a fazer. Uma tarde chuvosa em Melbourne na Austrália obriga uma jovem de cabelos castanhos a entrar em uma pequena e aconchegante cafeteria...