Capítulo 17 - Adra

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O Labirinto era exatamente o que o nome clamava: fora construído antes da cidade, em um tempo onde os humanos antigos honravam seus deuses naquele lugar. A Academia era a única coisa que permanecia acima do lugar, tão imutável quanto uma montanha. Até mesmo os humanos da época não sabiam quando ela fora construída e, por consequência, também não sabiam sobre a construção do Labirinto

Naqueles tempos, todos diziam que um terrível monstro habitava o centro do labirinto, matando qualquer um que se aventurasse demais em seus corredores, mas nada disso impediu os demônios de profanarem o lugar e, eventualmente, construírem uma cidade em cima das pedras milenares do lugar que antes era sagrado para os humanos. Ou amaldiçoado. Adra apostava nos dois.

Ela achava também que era um lugar muito estranho para se construir uma cidade, mas Damian lhe explicara no caminho de volta para a Academia que, na época, os demônios ainda estavam em processo de dominação da raça humana e rebeliões maiores do que aquelas ocorridas em Jerusalém eram frequentes e demandavam uma evacuação rápida.

E o Labirinto era uma ótima resposta para esse problema, uma vez que os humanos, supersticiosos que eram, não ousariam entrar na morada do Minotauro.

— E existem cidades construídas em lugares mais estranhos. — Ele dissera também, dando de ombros. — Além do mar, em Tiníka, existe uma cidade que foi construída sobre a água, por exemplo. E além de Pisikó há cidades construídas entre montanhas, levantadas por cabos de aço mais largos que eu, você e Theo lado a lado.

Adra sorrira ao ouvir aquilo, ainda que simplesmente não conseguisse imaginar algo como isso realmente existindo. O mundo era tão grande, tão extenso e milenar que a deixava pequena em comparação. Adra não tinha certeza se gostava da sensação.

Mas Damian continuou contando sobre aquelas cidades cheias de sonhos enquanto atravessavam as ruas até a Ponte Téfra. Adra se encolheu ao passar pelo lugar, sem resistir ao instinto de olhar para o horizonte, para as águas de Thanatos como se pudesse ver as cinzas de Carino mais uma vez.

Mas claro que aquilo não era possível.

E foi o suficiente para mandar Adra em uma espiral de dor e autodesprezo, as memórias das cartas que se acumulavam em seu apartamento também se juntaram àquela mistura perigosa apenas para estragar mais ainda seu humor. Damian percebeu isso e se manteve calado, mas ao lado dela, o que começou a irritar Adra em certo momento.

Ela não disse nada, no entanto, preferindo ficar em silêncio. Adra sabia muito bem o que seu temperamento poderia fazer se ela abrisse a boca com aquele humor pairando sobre ela.

Eles rumaram para pontos diferentes da Academia assim que chegaram, ela e Lena seguindo juntas para o quarto. Era uma felicidade para ela que Lena fosse uma companhia silenciosa: Adra não tinha certeza se podia aguentar mais conversas sem revirar os olhos de irritação ou ser rude com alguém.

Por causa disso ela decidiu pular o jantar, sentindo o estômago embrulhado com a lembrança que se seguia repetidamente em sua cabeça. Seu pai, morto. A garganta e os pulsos cortados. O sangue.

Adra estremeceu ao sentir os próprios órgãos se embaralhando dentro do corpo e deixou-se cair em sua cama. Lena, que estava secando o cabelo com uma toalha branca e macia, olhou para ela do espelho que tinham atrás da porta, e disse:

— Eu acho que você deveria pelo menos tentar comer alguma coisa, Adra.

— Eu não quero. — Ela disse em resposta, rezando silenciosamente para que Lena não insistisse e simplesmente a deixasse sozinha.

Adra havia deixado que ele morresse.

Não, Carino havia morrido.

Ele havia deixado Kia.

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