Capítulo 35 - Adra

27 5 10
                                    

Adra não precisou bater para a porta se abrir.

Como um truque barato de mágica humana, ela levantou a mão que não segurava sua mala para bater quando a porta vermelha descascada estalou e se abriu com dificuldade, rangendo de forma estridente.

Kia olhou para ela, séria.

Ao ver a mãe ali, saudável e bem, Adra sentiu o ar escapar de seus pulmões e ela não resistiu à urgência: se atirou nos braços da mãe, agarrando-a como um náufrago a um bote salva-vidas.

— Por Lúcifer, você está bem. — Ela murmurou quando Kia e ela cambalearam para dentro, a mãe passando as mãos por suas costas tranquilizadoras. — Você está bem.

Adra sentiu os olhos queimando e também não conseguiu resistir às três lágrimas que escaparam de seus olhos. Em sequência, quase treinadas em sua sincronia.

— Você está bem. — Ela repetia enquanto apertava seu corpo contra o de Kia, os contornos do abraço da mãe eram tão familiares que doíam de sentir.

— Adra. — A voz de Kia estava amassada contra sua orelha. — Querida, me solte.

Adra piscou, ainda no abraço, e retirou-se lentamente de dentro dos braços de Kia, olhando para os olhos que um dia tinham sido apenas fogo de lareira e luz dourada de casa. Agora, os olhos da mãe de Adra eram como uma casa destruída e cinzas dançando pelos cômodos.

Assustada, Adra limpou as lágrimas que lhe tinham escapado e olhou em volta, para a sala pequenina onde tinham saído depois de um ainda mais pequeno corredor de entrada. Seus tios tomavam café em um dos sofás, observando tudo, calados e inexpressivos.

Havia um vaso de narcisos com uma pena marrom no meio das flores na mesa de centro, uma maçã vermelha logo ao lado.

Eles eram magros, muito magros, as veias e os ossos se sobressaindo na pele encavada. Os rostos macilentos, os lábios finos, compridos e altos demais.

Constantino e Eunike Panosis.

Os tios de Adra.

Humanos.

E ela era uma bruxa. Certo.

Adra se aprumou, o rosto cuidadoso ao olhar para a mãe e então para os tios.

— Você veio. — Foi Kia quem quebrou o silêncio desconfortável, mas as palavras que ela falou, o tom delas, a surpresa, tudo aquilo era pior que desconfortável.

Adra quase se encolheu. Foi preciso reunir todo o orgulho que ela tinha para continuar de costas retas e semblante tão inexpressivo quanto podia manter.

— Vim. — Ela disse apenas.

— Aquele garoto com você vai voltar? — Sua tia Eunike perguntou. Ela tinha os olhos duros e a postura de uma general, mesmo estando casualmente sentada na cadeira.

Adra franziu a testa diante da pergunta e do tom da tia ao falar de Damian. O escárnio. O ódio.

— Não. — Ela empurrou a palavra para fora com o máximo de delicadeza que pôde, tentando se lembrar que aquele não era um ataque a Damian como pessoa, mas sim à espécie dele. Aos demônios.

— E quem era ele? — Perguntou Constantino, alerta, mas não havia nele a mesma hostilidade que havia em Eunike.

— Damian, um amigo. — Disse Adra, evasiva mesmo assim. Ela não tinha certeza se seria sábio revelar que ele era o herdeiro de uma das Sete Famílias. — Ele não é um problema.
Mas ao que parecia, não adiantava assegurar aquilo.

— Concordamos em mantê-la aqui durante a Isiméria, mas não vamos tolerar um deles na nossa casa também. — Disse Eunike, os olhos queimando Adra, que por sua vez era gelo em pessoa.

Todos os Anjos do ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora