As paredes da Academia Lethe carregavam seus fantasmas do mesmo modo que o sangue molhava as paredes de Jerusalém: não era porque não era possível vê-los que eles não estavam lá. Mas assim como todo passado sangrento e sombrio, eles sempre voltavam para apavorar as gerações inocentes e ignorantes aos crimes anteriores a sua existência no mundo.
Então, quando todos os jornais da cidade de Agraés noticiaram que a morte visitara a Academia, nenhum de seus anciãos ficou surpreso; mas os jovens, ávidos por segurar o mundo nas mãos e ingenuamente se acreditando aptos a tal inconcebível feito, observaram tudo com atenta e mórbida curiosidade, muito pouco movidos pela morte de um deles.
Aquilo, pelo menos, era bem verdade, pensou Adra Anoixi andando pelo chão de madeira escura da loja, seus passos produzindo um som oco no chão enquanto o vestido preto farfalhava ao roçar contra a superfície. Ela encarou as três garotas tão deslumbrantes quanto deusas que a aguardavam diante do balcão, em frente à entrada da loja. Todas tinham os vestidos mais finos que o dinheiro podia comprar e os cabelos em penteados finos que Adra nunca pensaria em fazer para um dia comum.
Ou para um funeral como o que elas estavam indo.
— Aqui está — ela entregou o incenso como fora pedido por elas, que olharam para Adra por um segundo a mais que o necessário antes que uma, a mais alta, com pele de ébano tão escura que poderia se misturar à decoração da loja de Adra, pegasse o incenso de sua mão com um último olhar de arrogante desprezo.
Sem mais uma palavra e sequer um agradecimento, elas saíram da loja, imperiosas como apenas demônios podiam ser, deixando o pagamento de Adra sobre o balcão apenas para não tocá-la. A garota levantou os olhos para o teto com um suspiro impaciente.
— Eu deveria ter dado a elas o incenso de mentira — murmurou para si mesma, lembrando-se do cheiro terrível que aquele produto exalava — Seria bem feito para elas espantar a todos do funeral com aquele cheiro de gambá.
Mas desde a morte de um aluno na Academia Lethe, as vendas estavam baixas. A cidade não estava recebendo metade dos viajantes que costumava receber todas as semanas e aquilo era preocupante: se os viajantes e comerciantes começassem a evitar a cidade por superstição, muitas lojas seriam obrigadas a fechar.
Se a Filhas & Bruxas fosse uma delas, isso quebraria o coração da mãe de Adra. E aquilo não era aceitável, não quando a loja fora um presente do pai dela e o único amor da vida de Kia.
Apesar da falta dos humanos usuais que visitavam a Filhas & Bruxas, os demônios estavam interessados o suficiente nela para comprar algumas poucas porcarias baratas que todos os humanos cometiam o erro de pensar que eram mágicas. Se por zombaria ou por acreditarem o mesmo que os humanos, não importava. O que importava era que iriam sobreviver mais um mês com a loja a salvo de dívidas e cobradores.
Sem mais o que fazer, Adra juntou suas mãos e fez uma pequena esfera de energia que parecia cheia de fumaça e era dura como vidro, muito parecida com uma bolinha de gude, brincando com aquilo distraidamente.
Várias horas se passaram até que o sino sobre a porta tocasse novamente com a presença de alguém mais na loja poeirenta e repleta de ervas secas, cristais e outros produtos naturais. Adra, feliz por finalmente ter algo o que fazer, se levantou da pequena cadeira atrás do balcão e levantou os olhos para seu mais novo cliente.
O garoto a sua frente não era mais velho do que ela e a fitava com olhos negros cheios de brilho — como uma estrela —, havia um brinco de prata pendendo da orelha direita e os lábios castanhos escuros estavam curvados em um sorriso arrogante. Um demônio, mas não um demônio qualquer: Adra sentia o poder dele arrepiando seus braços dali, com dois metros de distância os separando.
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Todos os Anjos do Paraíso
FantasyAdra era uma bruxa em um mundo de demônios, o que significava problemas por si só, mas quando seu pai é assassinado pela mesma que está matando adolescentes dentro da misteriosa Academia Lethe, ela não mede dificuldades para entrar na escola e caçar...