Todos os Anjos do Paraíso

Capítulo 2 - Adra

O lugar de encontro com Damian Kolasi era amplamente conhecido e público o bastante para que ninguém achasse estranho que estivessem reunidos. Por outro lado, era perigosamente próximo à sede do Coven, onde as bruxas se reuniam sempre que podiam, o que queria dizer que, se ela fosse, teria que se explicar com algumas bruxas e bruxos bastante preocupados e intrometidos.

Todos aqueles pensamentos rodopiavam na cabeça de Adra enquanto ela fechava a loja e caminhava pela rua de paralelepípedos sem pressa, deixando as chaves entre as juntas de seus dedos. Ela não estava muito receosa que alguém tentasse atacá-la — tinha sua magia para defendê-la — mas era sempre bom estar alerta.

Como se zombasse da falta de medo de Adra, uma névoa espessa tomava Agraés, deixando que os passos dela fossem um mistério que deveria ser revelado a cada virada de esquina enquanto os prédios antigos e imponentes se erguiam diante dela como gigantes ancestrais. Ela gostava da cidade, apesar do clima constantemente fechado e das ruelas silenciosas e cheias de perigo que a esperavam em cada quadra.

A proposta de Damian Kolasi, muito diferente do caminho que estava seguindo a pedido da carta, era intrigante e misterioso o suficiente para deixá-la alerta. Ela não gostava de estar naquela situação, principalmente porque o demônio sabia que sua curiosidade falaria mais alto. Ele sabia que ela iria antes mesmo de Adra tomar qualquer decisão e isso a estava irritando.

Mesmo assim, aquela era uma oportunidade única. A Academia Lethe para as Artes Demoníacas — um nome que ela preferia muito bem mudar — era simplesmente a melhor escola de toda Níkaes, ensinando demônios de todos os cantos durante dezenas de gerações.

Nem mesmo havia uma data de fundação porque ninguém sabia quão ancestral a escola era. Com cinco bibliotecas diferentes para cada curso e uma para recreação, mais de cinquenta salas de aula e um corpo docente com os melhores entre os melhores, a Academia era simplesmente o lugar mais instigante e maravilhoso que Adra já havia visto na vida.

E ela estava ali, a um passo de entrar, apenas se ousasse ser a primeira bruxa daquele lugar. Mesmo que doesse, mesmo que fosse difícil como o inferno, mesmo que ela rastejasse para conseguir ir em frente, aquela seria sua única chance de entrar.

Decidindo que pensaria em tudo aquilo mais tarde, Adra suspirou e apertou o passo, agora com pressa para chegar ao Coven.

Ela podia ouvir o som de passos atrás de si e ficou tensa, sem poder evitar, mas sabia racionalmente que qualquer um que fosse provavelmente apenas iria embora ao perceber que se tratava de uma bruxa. E, de fato, não demorou muito para que aquilo de fato acontecesse, fazendo com que ela voltasse a relaxar.

A cidade em que Adra crescera, Agraés, era localizada ao sul de Níkaes e se resumia a um conjunto uniforme e quadrado de prédios de estrutura antiga, quase todos beges ou acinzentados, e ruas estreitas e becos silenciosos entres as construções, com um rio central chamado Thanatos, que dividia a cidade em dois. Essa era, quase sempre, a descrição de viajantes desinteressados e turistas que seguiam para a capital, Mávros.

Mas para os moradores e os estudantes da Academia que tivessem coragem o suficiente, Agraés tinha sua própria magia na estrutura anciã e vielas que só acordavam ao cair da noite. Nas ruas principais, como a que ficava o apartamento de Kia e Adra e a loja, as noites eram monótonas e quietas, como se nem mesmo uma alma viva morasse naquele lugar, mas era preciso andar apenas alguns quarteirões para surgirem as primeiras evidências de que Agraés não era uma cidade como outra qualquer.

Adra virou no beco bem familiar a três quarteirões acima de seu apartamento e sorriu ao ver os toldos já postos dos pequenos pubs subterrâneos junto com as luzes amarelas e redondas por todas as estruturas metálicas destes.