Capítulo 30 - Adra

44 10 3
                                    

Adra e Damian percorreram as pedras encardidas e sujas do pátio de entrada da Academia juntos. Ela podia sentir o coração batendo em seu pescoço e as mãos suando ligeiramente com a perspectiva de ir até seu apartamento.

Damian, ao seu lado, não falara quase nada depois que Adra lhe contara onde queria ir. Apenas dera um beijo em sua testa, os olhos negros queimando com a emoção que a confiança dela trazia para ele.

— Não precisa fazer isso se não quiser, você sabe. — Disse ele baixinho quando cruzaram os portões e Adra franziu a testa.

— Não me faça encarar a possibilidade de desistir, Damian. — Foi tudo o que ela pediu então e ele se calou.

Era mais fácil quando Adra pensava que não tinha a escolha de desistir e, de qualquer modo, pode ser que não tivesse mesmo: depois de seis meses na Academia, Kia já deveria estar preocupada com as cartas que ela mandava.

Afinal, Adra não lera nenhuma das respostas da mãe para ela — se é que havia respostas.

Eles andaram em silêncio pelas ruas de Agraés e dessa vez, Adra percebeu os olhares discretos de algumas bruxas na direção dela. Ela já esperava que sua presença na cidade e a nova amizade com demônios fosse agitar suas colegas, mas se incomodou assim mesmo.

— Quer? — A voz de Damian lhe trouxe de volta ao presente e Adra se virou para ele e para a balinha de coco que ele segurava entre os dedos com um sorriso discreto. Adra aceitou o doce e observou enquanto ele pegava um para si mesmo e comia.

— Você ainda não me disse o que seu avô pode nos dizer sobre um anjo estar cometendo os assassinatos na Academia. — Disse ela casualmente, olhando para Damian de esguela. Ele riu pelo nariz, sem humor, e hesitou.

— Meu avô é o conselheiro mais importante do rei. — Ele disse por fim, a voz baixa. — Isso quer dizer que ele tem algumas informações privilegiadas. Como, por exemplo, a existência de grupos revoltosos de humanos, ou talvez...

— A existência de anjos no país. — Adra completou, juntando as peças e Damian assentiu. Houve um segundo de silêncio e então: — Grupos revoltosos?

Damian sorriu amargamente.

— Humanos não são dóceis. — Disse ele categoricamente. — Não se pode oprimir um povo inteiro e esperar que eles não resistam. Existem focos de resistência em todo o país. Como você pode imaginar, no entanto, a coroa sabe da maior parte deles e deixa que continuem desde que sejam moderados.

Adra deixou escapar um ruído irritado e Damian encolheu os ombros.

— Eu não faço as regras, Adra. — Foi tudo o que ele disse quando ela largou a mão dele.

— Mas existe algum demônio que encara uma causa como essa com simpatia? Que a apoia? — Perguntou ela, amarga. Damian ficou em silêncio por alguns segundos.

— Tudo bem, é justo. — Ele disse. — Os demônios não se juntam porque não sabem sobre isso ou porque têm mais a perder do que a ganhar com essa causa. Todos que já tentaram foram simplesmente expulsos da sociedade, condenados a uma vida a margem sem o apoio de ninguém, nem mesmo dos humanos que eles apoiavam antes.

Adra percebeu a amargura na voz dele, a dor antiga e enraizada. Seriam os pais dele um desses demônios que tentaram dar voz para os humanos e as bruxas? Era por isso que Charis e o filho tinham se afastado daquela maneira?

E como ela poderia defender os humanos daquela resistência se eles tratavam aliados daquela forma? Os humanos tinham razão de ficar com raiva, tinham razão em sua fúria e sua amargura — mas tinham o dever de serem racionais, também, de não se deixarem levar por seu próprio ódio e amargura.

Todos os Anjos do ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora