Capítulo 44 - Theo

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O anjo encarou o corpo em seus braços, os pensamentos em revoada dentro de sua mente. Por anos, por anos ele dera tudo o que tinha para manter seus pais felizes, por anos ele lutara para manter tudo o que deveria esconder em segredo.

E o resultado dele era esse.

Uma das pessoas que mais amava morta em seus braços.

Morta pelo desgraçado que ele jurara proteger — por um país melhor, um futuro melhor para todos eles.

Theo havia protegido Nestor por anos, ele sangrara por seu príncipe, matara por ele. Porque ele acreditava no que seus pais acreditavam, no que sua rainha acreditava. Ele acreditava que Nestor poderia significar uma sociedade melhor para humanos e anjos.

Era engraçado como ele nunca sequer pensara nas bruxas quando era alimentado com aqueles ideais. Então Adra entrara em sua vida e Theo simplesmente começara a questionar tudo, porque a sociedade também não era justa para as bruxas.

E ele realmente acreditou que Nestor poderia fazê-la melhorar, que com a guia certa, aquele desgraçado poderia se tornar um rei em que ele poderia seguir e do qual poderia ter orgulho.

E o que Theo recebera em troca dessa lealdade, de toda aquela crença?

Morte, morte e mais morte.

Ele matara o pai da garota que repousava em seus braços naquele mesmo momento e nunca esqueceria, nunca teria paz enquanto vivesse pelo que fizera com Carino Anoixi. Mesmo antes de conhecer Adra, Theo acordava durante as noites, molhado de suor com a lembrança do sangue grudento e repulsivamente quente molhando sua mão.

Ele havia sido cúmplice de Nestor.

Como Theo pudera ser tão cego? Tão idiota? Tão crédulo e tonto?

— Pronto, agora o problema está resolvido. — Disse Nestor acima dele, limpando a mão sangrenta no tecido de um sofá antes de se sentar casualmente na outra ponta. — Podemos deixá-la aí e quando a Guarda Real achá-la, eles vão ignorá-la.

— Você só pode estar brincando. — Theo disse, rindo em meio ao seu ódio. — Adra sabia sobre o que fizemos, Nestor. Você acha que ela simplesmente se transportou para cá assim que percebeu a verdade? Que ela não contou para ninguém?

Suas perguntas estavam cheias de um escárnio que Theo não conhecia, mas que manchava a língua dele, transformava sua própria saliva em veneno. Theo a engoliu alegremente, sentindo sua garganta quase se fechar em repulsa.

Mas ele merecia aquilo.

Merecia muito mais pelo que tinha feito.

O corpo de Adra pesou em seus braços, mas Theo continuou embalando-o. Ele não podia deixá-la ir. Ainda não. Só mais alguns minutinhos.

Ela ainda estava quente.

Theo sabia que não seria assim por muito tempo.

— Acha que ela contou para alguém? — Perguntou Nestor, fazendo pouco caso, mas os anos com ele tinham ensinado Theo a entendê-lo. Ele podia ver a preocupação do príncipe em seus olhos, como eles iam da porta para a entrada do Labirinto, procurando por uma saída.

— Não importa se ela contou ou não. — Disse Theo. — Você não ouviu o que ela falou? Ela sabia das gangues, o que quer dizer que qualquer informação que Adra tivesse, Damian também tem. E, com ou sem Adra, ele vai conectar tudo alguma hora.

— E o que Damian pode fazer contra mim? — Nestor zombou. — Eu sou o príncipe de Nikaés. O futuro rei.

Theo fechou os olhos ao ouvir aquelas palavras. Ele as ouvira tantas vezes ao longo dos anos e, quando reclamara disso para seus pais, ouvira que Nestor ainda era novo e mimado, que ele teria tempo para se tornar o rei que os anjos sabiam que ele poderia ser.

Ele as ouvira tantas vezes — usadas contra ele ou contra os outros — que acabara se acostumando. Theo se convencera que Nestor teria tempo de melhorar, ou até de que estava brincando.

E recebera morte por isso.

Mas ele conhecia seu melhor amigo. Deus, ele sequer tinha direito de chamá-lo assim ainda?

— Você é um idiota se acha que isso importa para Damian. — Theo murmurou, os olhos fechados, o corpo de Adra apertado contra seu peito. A testa encostando no ombro dela. — Ele não poderia se importar menos se você é a porra de um mendigo ou o próprio Deus, Nestor. Você mexeu com uma das pessoas mais importantes da vida dele. Você a matou. E vai pagar por isso.

Pela primeira vez na vida de Theo, o gosto da vingança era tão doce quanto um manjar e ele entedia porque Damian a procurava obcessivamente. Ele entendia e queria se banhar nessa vingança.

Mas o que Theo deveria fazer para se vingar quando a culpa pertencia a ele mesmo?

Os olhos verdes de Nestor brilharam perigosamente e ele se levantou graciosamente, movendo a mão em um gesto casual que Theo conhecia bem. Ele nem tremeu quando a lâmina recém-criada encostou em seu pescoço, o rosto de Nestor tão perto que Theo podia sentir a respiração dele em seu rosto.

A repulsa fez seus lábios se repuxarem para os lados.

— Cuidado, anjinho. — Nestor murmurou. — Ou eu posso começar a pensar que você é uma ameaça para a minha segurança. Exatamente como a querida Adra aqui...

A lâmina desceu e cortou a bochecha de Adra. Nestor sorriu diabolicamente ao fitar seu trabalho, e se afastou novamente em direção à entrada do Labirinto.

A raiva cresceu dentro de Theo, rugindo e demandando. Em um rompante, Theo deixou que seu poder crescesse dentro dele. Deixando Adra gentilmente no chão, Theo se levantou, encarando as costas de Nestor.

— Cuidado, Ouralasi. — Ele murmurou, lançando mão de seu poder.

A Luz cegou Nestor, mas Theo apenas andou por ela, imperturbado. Ela queimava, Theo sabia, dilacerava qualquer fiapo de mal que existia em sua frente, espalhando-se infinitamente.

Theo prensou o pescoço de Nestor contra a parede, imobilizando-o. Ele podia senti-lo lutando para invocar seu próprio poder, para manipular a matéria até formá-la em algo novo e mortal. Mas a Luz o cegava demais para isso.

— Foi a minha espécie que o criou. — Ele murmurou no ouvido de Nestor. — E eu posso desfazer isso tão facilmente quanto eu respiro.

— Mas isso não vai apagar a sua culpa, anjinho. — Foi a última coisa que Theo ouviu antes que toda a sua fúria tomasse conta.

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Esse é curtinho, mas espero que gostem! O Theo é um personagem interessante, prometo.

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