Finalmente São Francisco

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- Vamos descer mais de duzentos metros. - Nossa guia turística falou, animada. Ela era uma guarda-florestal, com longo cabelo preto puxado para trás num rabo-de-cavalo e óculos coloridos. Acho que ela não percebeu que eu estava sendo perseguido. - Não se preocupem, senhoras e senhores, o elevador dificilmente quebra.

- Ele vai até a lanchonete? -  perguntei a ela. Algumas pessoas atrás de mim abafaram o riso. A guia turística me olhou. Alguma
coisa no olhar dela fez minha pele formigar.

- Para as turbinas, meu jovem, - A moça falou. - Você não estava escutando a minha fascinante apresentação lá em cima?

- Oh, hum, claro. Tem outro jeito de sair da represa?

- É um beco sem saída. - Um turista atrás de mim disse. - Pelos céus. O único jeito de sair é pelo outro elevador. - As portas se abriram.

- Sigam em frente, pessoal. - A guia turística nos disse. - Outro guarda-florestal está esperando por vocês no fim do corredor. - Não tive muita escolha a não ser sair com o grupo.

- E meu jovem. - A guia turística chamou. Olhei para trás. Ela havia tirado seus óculos.
Seus olhos eram surpreendentemente cinzas, como nuvens de tempestade. - Existe sempre uma saída para aqueles inteligentes o bastante para encontrá-la.

Zoe e eu corremos passando pelo grupo de turistas, por um túnel entalhado na pedra sólida. Parecia continuar para sempre. As paredes eram úmidas, e o ar zunia com eletricidade e o rugido da água.

Saí em uma sacada em forma de U que dava vista para esta enorme área de armazéns.
Quinze metros abaixo, enormes turbinas estavam ligadas. Era uma sala grande, mas eu não via nenhuma outra saída, a menos que eu quisesse pular dentro das turbinas e ser triturado para gerar eletricidade. E eu não queria.

- Alguma ideia? - Perguntei para a caçadora. Assim que paramos pois no momento em que cheguei ao lado oposto da sacada, meus nervos dispararam.

- Geralmente é eu que te pergunto isso. - Zoe falou tentando recuperar o fôlego. Fiquei de costas para o pequeno corredor e observei o túnel pelo qual viera. Então, bem atrás de mim eu escutei um agudo Chhh! como a voz de um esqueleto.
Sem pensar, destampei Contracorrente e girei, golpeando com minha espada. A garota que eu tinha acabado de tentar fatiar ao meio ganiu e deixou cair seu
guardanapo.

- Ó, meu deus! - Ela gritou uma criatura ruiva e cheia de sardas. - Você sempre mata as pessoas quando elas assoam o nariz?

A primeira coisa que me veio à cabeça foi que a espada não a tinha machucado. Havia passado limpa através do seu corpo, inofensivamente.

- Você é mortal! - Exclamei um tanto feliz por não ter cortado ao meio uma inocente. Ela olhou para mim incrédula. - O que isso quer dizer? É claro que sou mortal! Como você passou essa espada pela segurança?

- Espada? - Guardei, segurei contra corrente com as duas mãos me posicionando como um jogador de basebal. - Que espada? Isso aqui é um taco de baseball.

A garota rolou os olhos, que eram verdes como os meus. Ela tinha cabelo crespo castanho avermelhado. Seu nariz também estava vermelho, como se estivesse gripada. Ela vestia um grande moletom grená de Harvard e jean cobertos de manchas de canetinhas e pequenos buracos, como se ela usasse o tempo livre para espetá-los com um garfo.

- Acho que ela vê através da névoa gênio. - Zoe resmungou ao meu lado. Olhei para a garota virando a cabeça como um cachorro confuso.

- Ah...

- Bem, ou é uma espada ou é o maior palito de dente do mundo. - Ela disse. - E por que não me feriu? Quero dizer, não que eu esteja reclamando. Quem são vocês? - Ela finalmente pareceu notar a caçadora ao meu lado.

O Filho de CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora