Prólogo

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— Hande, já é a sétima vez que você esquece a fala! — O diretor disse, num tom suave. Ele sabia que estava sendo uma fase difícil pra ela. — Mas só nos resta essa cena. Você consegue se concentrar? — Ela assentiu, mesmo que seu corpo parecesse anestesiado.

Por fim, as cenas foram finalizadas e todos se juntaram para comemorar, mas ela optou por se isolar, novamente. Conviver em sociedade estava se tornando cada dia mais difícil.

Não havia mais de quatro meses que sua mãe se rendeu para o câncer e já exigiam dela extrema produtividade.

"Você supera com o tempo. Mas temos uma agenda para cumprir", foi o que lhe disseram sem notar que tudo que ela precisava fazer era descansar.

Até quando suportaria também as inúmeras traições de seu namorado? Ela se perguntava frequentemente, como se existisse uma resposta. Mas no fundo Ela sabia.

Tudo começou quando seu pai pediu para que ela o ajudasse a promover a carreira de um dos seus mais novos contratados. Daniel Hart.
Eles se tornaram amigos imediatamente por que Daniel parecia realmente interessante. Conversas até ás 03:00 da manhã, idas aos melhores restaurantes de Nova York, convites para o cinema. Até mesmo para gravação de músicas que ele mesmo compôs. Mas depois de um tempo, Anthony pediu para que eles se relacionassem por puro marketing. Apareceriam juntos, comeriam juntos. Meses depois passaram a atuar juntos, cantar e desfilar também. Juntos.
Ele se apaixonou e a pediu em namoro. Ela estava encantada.

Mas como um príncipe encantado, Hart virou sapo. Hande perdeu as contas de quantas vezes os paparazzi a surpreendiam na rua para lhe informar de mais uma traição de seu companheiro. Até mesmo nas entrevistas, quando abriam a oportunidade para que a plateia pudesse fazer perguntas, o assunto sempre vinha a tona.

"O seu discurso sempre envolve amor próprio e determinação. Então por que você continua com alguém que te trai constantemente?"

Ela nunca sabia o que responder. O que diria? Estava sempre indo contra seus ideais. Ela gritava por amor próprio mas sempre perdoava um deslize de Daniel por amá-lo. Ela gritava por sororidade, mas perdeu as contas de quantas vezes brigou com colegas de trabalho pelas mentiras que seu namorado inventou. Então, Hande apenas sorria e ignorava os questionamentos.

E quando decidia confrontá-lo, ou quando tentava terminar, ele sempre colocava a culpa sobre ela. Era sempre a mesma coisa.

"Você é muito pegajosa", "Você é muito exigente, é um filme", "Você é louca", "Vai começar com esse teatro? Engole as lágrimas", "Não estou a fim, vou sair hoje", "Não posso ir", "Você vai acabar com um relacionamento de três anos por uma besteira dessa? Termine, mas eu ainda te amo", "Quem era aquele cara? O que fazia com ele? Por que ele tem seu número?".

A última coisa que ele fez antes do término de relacionamento foi tentar agredi-la. Hande percebeu que a relação já estava insustentável. Ela criou coragem para deixá-lo, mesmo que fosse difícil.

Como um cavalo que permanece preso por um fino cordão, ela continuou insistindo numa relação sem futuro por pensar, ou até achar, que não encontraria coisa melhor. Como um usuário de drogas sabe que aos poucos está se matando. Ela não conseguia deixá-lo, e ao fazer, estava em estado de abstinência.

Herçel entrou no quarto da casa em que ficava durante as gravações e se jogou sobre a cama. Ela deitou em posição fetal e deixou que as lágrimas apenas saíssem. Antigamente, gritava para colocar pra fora, chorava compulsivamente. Mas agora, tudo que faz é deixar que as lágrimas caiam feito gotas de chuva na janela de um carro. Silenciosa e lentamente.

Hande ergueu o braço e agarrou a única foto que lhe sobrou da mãe. Seu pai fez questão de esconder todas para que ela não passasse tempo mais que permitido encarando-as.

— Eu sinto tanto a sua falta... — Engoliu em seco. — Me desculpa, mas não dá mais... Não dá... — Ela colocou a foto sobre o peito, como se estivesse abraçando sua própria mãe.

°°°

— Hande? Eda abre, por favor! — Anil batia na porta freneticamente. — Dedê, me deixe entrar!

— Vamos Hande, precisa gravar a última cena! — Anthony, seu pai, esbravejou contra a porta.

— Para pai! — Gritou, empurrando-o. — Me deixe falar com ela, a sós!

— Acho bom que essa garota pare de drama e volte para o set! — Sussurou entredentes antes de sair.

Anil respirou fundo e encostou a testa na porta. Sua família se tornara uma bagunça desde que sua mãe partiu.

— Irmãzinha, por favor, deixe-me entrar. Por favor... — Deu leves batidas na porta.

A madrasta deles apareceu aparentando estar preocupada. Ela estava acompanhada da tia.

— Ela ainda não saiu?

— Não. — Suspirou.

— Precisamos fazer alguma coisa. — Dilara, a mulher de Anthony, empurrou Anil com suavidade e tocou a maçaneta. Ela disparou socos leves na porta e sussurou. — Querida, nos deixe entrar.

— Abra a porta minha sobrinha!

— Eu vou procurar por alguma chave mestra. Alguém do set deve ter. — Anil disse convicto antes de se afastar.

Dilara olhou para Ayla e abraçou o próprio corpo. Há dias que Hande parecia afundar numa depressão, mas tentava mostrar o contrário. Talvez para não preocupá-los ou para não sofrer com os julgamentos.

— Precisaremos fazer o que combinamos. Ou algo pior pode acontecer.

— Kerem fez, por que ela não pode? — Ayla se encostou na parede. — É o melhor. Não permitirei que minha sobrinha definhe até a morte.

— Podemos comprometer a carreira dela.

— Ela é mais importante. Não vou permitir que Anthony continue afundando-a. algo precisa ser feito! — Elas se calaram enquanto Anil se aproximara. — É essa?

— Sim. Espero que seja ela. — Suas mãos estavam trêmulas. Alguma coisa, lá no fundo, dizia para preparar o coração.

Ele abriu a porta devagar, como se sentisse medo, e quando a viu inconsciente, deitada no chão e com o pulso sangrando, esbugalhou os olhos e se jogou sobre o corpo pálido da irmã. Os lábios de Hande estavam sem cor, seu rosto magro evideciavam as olheiras encobertas pela maquiagem.

— Hande, Hande por favor! HANDE! — Anil gritava e chorava ao mesmo tempo, sem conseguir tocá-la.

Dilara correu para buscar ajuda  enquanto Ayla segurava o corpo da sobrinha nos braços e derrama lágrimas sobre o rosto dela.

Quando duas vidas se encontram Onde histórias criam vida. Descubra agora