Capítulo 46

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A viagem até em casa demorou cerca de uma hora do apartamento do pai. Mirabela tinha que admitir que preferia mil vezes a vergonha e os olhares tímidos trocados constantemente entre os dois garotos no carro do que a provável tensão e ódio no ar que estaria caso o beijo não tivesse acontecido naquela manhã.

Ao menos essa situação lhe dava motivos para querer rir da cara de idiota dos dois.

Mirabela agora estava decididamente focada nos próximos passos e em arrancar mais informações de Robert, pois ao menos com um objetivo ela conseguia evitar pensar na morte da mãe e chorar como uma criança.

Era quase um alívio estar em casa novamente depois de tantos acontecimentos, que faziam parecer que um mês já havia se passado. Agora, olhando para a grande casa e para o jardim que se estendia a sua frente, Mirabela sentia que estava finalmente segura como nos velhos tempos, quando voltava com o pai do hospital. Quando sua vida não era uma tremenda bagunça.

Ela não esperou que o carro desligasse antes de abrir a porta e saltar para fora do automóvel, seguindo para a grande porta de madeira da entrada, a chave já em sua mão. A garota não sabia exatamente o que esperar ao entrar em casa, mas certamente não era aquilo.

Uma mulher loira, provavelmente na faixa dos vinte anos, estava deitada no sofá branco da sala, usando o pijama de corujas favorito de Mirabela. Na mesinha de centro descansava uma xícara de café e algumas revistas, junto com o controle da TV, a qual estava ligada em algum filme de ação, pois era possível ouvir o som de gritos e tiroteio vindo do aparelho.

Assim que Mirabela entrou, a mulher ergueu o olhar da TV, mas não aparentou a mínima surpresa com a aparição, como se soubesse que a menina estava para chegar. Porém, assim que Robert adentra a sala, a jovem loira se levanta calçando um par de pantufas, que também pertenciam a Mirabela, e abre um enorme sorriso.

-Pai! –Ela corre até o homem e joga seus longos braços pálidos sobre o pescoço dele, abraçando-o com força e carinho. Ele também a abraça.

A menina encara a irmã, atônita. De todas as maneiras que ela imaginou esse encontro, certamente em nenhuma delas a mulher tinha invadido sua casa e estaria usando suas roupas.

-Sunny, quanto tempo, minha flor. –Eles se desvencilham do abraço, mas o pai não solta os braços da filha, nem tira os olhos dos dela- Você está bem? Alguém te machucou? Recebi seu recado então decidi vir o mais rápido possível para cá.

O sorriso de Sunny amarelou e ela baixou os olhos. Quando voltou a encarar o pai, havia uma pequena lágrima brilhando em sua bochecha.

-Eu não sei se esse é o melhor momento para isso, pai. –Ela sussurra enquanto lança um olhar triste para Will, que se encontra a apenas alguns passos de Mirabela.

Will certamente não nota esse olhar, pois assim que vê quem está no centro da sala, passa correndo por Mirabela e abraça Sunny também.

-Heloísa! Como você está aqui? –Will olha ao redor da sala preocupado- Diego não está com você, não é?

-Heloísa? –Mirabela não consegue se segurar- Tem mais algum segredinho que devemos saber?

Com isso, todos voltam sua atenção para a garota, ainda estacada na porta de entrada. Sunny a encara profundamente, os olhos das duas quase da mesma tonalidade de azul cinzento. Mirabela lembrou quando seu pai falou, há muito tempo atrás, o quanto as duas eram parecidas exceto pela cor do cabelo. Ele não estava errado.

-Você deve ser Mirabela, certo? –A menina apenas assente levemente com a cabeça, o rosto ainda modelado em uma carranca- Prazer sou sua irmã, Sunny.

Ela se aproxima e estenda a mão à garota, que espera alguns segundo antes de estender a sua também e cumprimentar a irmã mais velha.

-Este deve ser Jonathan, não é? Meu outro irmão, suponho.

Ao contrário de Mirabela, é Jonathan quem se aproxima de Sunny e lhe estende a mão com um sorriso no rosto.

-Pode me chamar apenas de Jhon, Sunny.

-Como você e Will se conheciam? E por que ele te associou ao Diego? –A raiva que a consumia tornava difícil segurar a língua, que coçava para se tornar afiada como uma lâmina, enquanto o cérebro maquinava diversas possibilidades para cada uma das coisas ditas e feitas até o momento. Desde o aparecimento repentino até o olhar triste dirigido ao Will.

-Vejo que você é rápida, maninha. Mas eu sugiro que se sentem antes que eu comece a falar, se já terminamos as apresentações, porque quando eu começar, vai ser difícil me fazer parar.

Will e Robert sorriram diante da última afirmação, mas a garota precisou conter a vontade de revirar os olhos, que já estava se tornando um vício. 

-Eu preparei um café, caso queiram tomar alguma coisa.

-A gente sabe como achar comida na nossa própria casa. –O pai lhe lança um olhar mortal com o comentário, mas ela já não se importa com sua opinião. Alguns meses atrás, Mirabela provavelmente choraria por receber essa repreenda, mas não hoje. Não mais. 

-Ah, claro. Bem, então sintam-se em casa –Todos na sala dão risada, enquanto se sentam. Mas garota permanece em pé. Sunny parece não notar, ou apenas ignora a birra da irmã. –E onde está Eliza? Estou morrendo de saudade dela.

Mirabela troca olhares com o irmão e com o pai, que trocam olhares entre si antes de voltarem a encarar Sophia.

-O que foi? –A voz saiu como um sussurro.

-Nossa mãe morreu. Essa semana, para ser mais exata. –Ela nunca se sentiu tão horrível quanto naquele momento. Como ousara falar da morte da mãe daquele modo frio? Como podia ser tão idiota ao ponto de não conseguir controlar a sua raiva, que nem se quer tinha um motivo aparente? 

-O quê? Como... como ela morreu?

-Foi baleada enquanto tentávamos fugir de um dos capangas de Diego. –Jonathan interveio, provavelmente sabendo que se a irmã falasse mais uma palavra provavelmente cairia no choro. Ele sabia que aquela máscara de ódio era para esconder sua fraqueza, e tinha descoberto isso antes dela mesma. –Podemos não falar disso agora? Robert pode contar depois a você com mais detalhes caso queira.

Jhon lança um olhar acolhedor para Mirabela e uma parte da sua raiva se esvai com o gesto de afeto. 

-Ah, claro. Acho que é melhor mudarmos de assunto mesmo.

A sala cai em silêncio por alguns minutos antes que Sunny continue:

-Bem, acho que deve uma resposta à minha irmã ainda. Vamos lá, não sei nem por onde começar. 

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