Capítulo 13

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Mirabela ficara um pouco receosa quanto a aceitar a companhia de Gustavo, mas não negava que agradecia –qualquer que fossem os deuses que os olhavam- por ter alguém para entrar com ela na casa dos Turners, pois o medo quase a consumia ao pensar em entrar lá sozinha.

O garoto era muito divertido e distraído, o que deixava o clima mais descontraído e ajudando-a a controlar seu medo. Mesmo não tendo medo de aranhas como Jonathan, Mirabela tinha um calafrio cada vez que encostava em uma teia, o que era extremamente difícil evitar, já que a situação estava ainda pior do que estava na última vez em que viera.

-Então fazem duas semanas que está morando aqui com seus tios? –Começou ela, quando estavam entrando na cozinha destruída.

-Isso. Caso esteja se perguntando, eu vi você e os dois garotos na semana passada. –Ela realmente estava tentando perguntar isso, então se calou novamente. Gustavo, que aparentemente não gostava de silêncio,continuou:

-Você ainda não respondeu o porquê veio até aqui.

Ela sabia que uma hora ou outra ele voltaria a perguntar sobre isso, afinal tudo aquilo era muito suspeito: uma garota planejando entrar sozinha em uma casa abandonada onde, segundo ela, há um mês os habitantes tinham sumido. Mesmo querendo muito desabafar sobre o que vinha acontecendo e sabendo que Gustavo merecia explicações, já que a havia acompanhado até lá, Mirabela não queria correr o risco de descumprir as regras que o pai deixara em sua carta. Claro que o garoto não aparentava representar perigo (da forma como parecia ser distraído, provavelmente nem prestaria muita atenção em sua explicação) e, querendo ou não, ele acabaria por saber de uma parte, afinal ela pretendia desde o início ir para o laboratório de Robert. Mesmo que não houvesse nada que contribuísse para o que ela sabia, seria um baú de informações para o menino desconhecido, mas agora já era tarde para manda-lo sair daquela casa e deixa-la sozinha (e ela também não queria ficar lá sozinha).

-Na verdade, acho que você já vai descobrir –Falou ela, prestes a abrir a porta que daria ao porão. Antes que ela o fizesse, um pensamento passou por sua cabeça: e se os assassinos dos Turners descobriram sobre o laboratório e o destruíram, além deterem levado qualquer informação que pudesse ser útil? Se eu com 8 anos fui capaz de encontra-lo, por que eles não seriam?

Para seu alívio, o lugar não estava destruído como em sua mente, mas também não poderia dizer que estava arrumado, sinalizando a passagem de alguém por lá. Faziam sete anos desde que entrara naquele lugar pela primeira e última vez, sedo quase impossível evitar a nostalgia que a atingiu. Por mais incrível que parecesse, o lugar estava praticamente igual, até onde ela se lembrava: a iluminação precária, a umidade do ar começando a aumentar (para piorar lá no túnel, se esse também estivesse igual da última vez). O mesmo tapete vermelho quadriculado cobrindo uma parte do chão, onde segundo sua experiência, estava a abertura que levaria ao laboratório. O que estava bagunçado eram os armários lá presentes: potes atirados para todos os lados, alguns caídos e com líquidos, agora secos, escorrendo.

Muito provavelmente quem fora revistar o porão não notara o alçapão embaixo do tapete, ou talvez não esperara a presença de um alçapão dentro de um porão. Além disso, era visível que estavam procurando algo, pois era a única coisa que justificava aquela bagunça de potes e de seus conteúdos. Pensando nisso, Mirabela ficou com mais receio ainda de permitir a entrada de Gustavo no túnel e, consequentemente, no laboratório. Mesmo querendo confiar nele, ela não o conhecia o suficiente para poder julgar corretamente, e agora se arrependia terrivelmente de ter deixado que o medo a consumisse e permitisse que ela envolvesse um desconhecido naquilo.

Sabendo que não tinha escolha, Mirabela decidiu fazer como na primeira vez em que abriu aquele alçapão: jogou a sensatez para o ar. A abertura estava emperrada, o que não a surpreendeu, mas como antes, Gustavo a ajudou a abrir, com uma expressão de surpresa ao ver o que tinha embaixo do tapete. Quando finalmente conseguiram liberar a passagem, um ar gélido e com um cheiro estranho os atingiu. Assim como em suas lembranças, ao olhar para baixo, era possível apenas ver a escuridão e, notando que o cavalheirismo de Gustavo estava perdendo para seu medo, Mirabela decidiu entrar, antes que ela também perdesse a coragem.

-Ei! Mirabela, espere! –Disse o garoto quase gritando, provavelmente não esperando que ela fosse realmente entrar naquele poço de escuridão

-Eu já fiz isso uma vez, tem uma escada aqui. –Falou ela tendo o acalmar, pois o menino já estava segurando seus braços para evitar que ela caísse ou continuasse a descida.

-Você tem certeza que não é perigoso? Quando foi a última vez que desceu aí?

-Bem, fazem uns sete anos, mas já senti a escada aqui, então não há com o que se preocupar.

-Não há com o que se preocupar?! Pode haver qualquer coisa aí embaixo! Além, é claro, de aranhas. –Ela se esquecera que Gustavo tinha tanto medo delas quanto seu irmão Jonathan, não que ele tivesse dito alguma coisa, mas sua reação o trajeto inteiro, principalmente quando via uma aranha, deixou isso bem claro.

-Eu te protejo delas, Gustavo –Comentou ela com tom de deboche. As bochechas do garoto coraram com a vergonha, mas logo se recuperou e decidiu segui-la. Mirabela acreditava que sua decisão tinha sido essa não apenas por seu comentário, mas porque ele pensou que seria pior ficar sozinho lá em cima, onde também não estava livre das aranhas, mas sem alguém para mata-las (coisa que ele não tinha coragem de fazer, como ela também percebeu).

O breu estava ainda pior ao fim da escada, e só de imaginar os seres que poderiam estar por ali, ela se arrepiava. Por isso, decidiu que a melhor coisa a se fazer era não pensar nisso e seguir em frente, afinal ao menos alguém tinha que ser corajoso, ou tentar não transparecer profundo desespero, coisa que estava fora de cogitação para Gustavo, que a cada momento dava um mini chilique, provavelmente por se enroscar em uma teia de aranha, ou imaginar algo.

Não demorou muito para que ela batesse naquela mesma porta de ferro, assim como quando tinha oito anos. Sabendo que tinham chegado no laboratório, ela torceu para a porta estar aberta, ou senão teria sido tudo em vão. Por sorte realmente estava aberto. Sem muito esforço, Mirabela empurrou a porta, revelando o laboratório.

-Mas o que... –Falou Gustavo surpreso com o que os aguardava, provavelmente não era isso que ele tinha em mente.

-Esse era o laboratório de meu pai. Uma vez, quando era pequena, eu vim aqui escondida, mas minha experiência não foi das melhores, sendo assim, nunca mais tinha voltado –Lembrando imediatamente do corpo que vira da primeira vez, ela varreu o lugar com o olhar, mas não o encontrou. Com isso suspirou aliviada, ao menos não precisaria ter sonhos mais detalhados de um corpo.

-O que aconteceu de tão ruim?

Ela não respondeu, não sabia ao certo se era por precaução, ou por medo, mas deixou que o silêncio tomasse conta. Adentrando mais o local, eles começaram a olhar tudo que estava por lá.

-Mirabela, o que você estava procurando mesmo? –E foi somente nesse momento que ela percebeu que não tinha pensado nisso. A garota não fazia ideia do porquê queria ir lá, ou o que poderia estar procurando. Talvez ela só quisesse encontrar uma explicação para o que vira e ouvira quando fora lá escondida. Talvez só quisesse uma prova que o pai era uma pessoa boa e nunca machucaria alguém. Talvez, no fundo de seu coração e de sua mente, ela só esperava encontrar Robert lá, pesquisando e rabiscando em um caderninho. Sem conseguir se conter, ela começou a chorar. Chorava pelo luto do pai que tanto amava e que agora não veria mais, o luto que ela tentara esconder de si mesma. E assim, Mirabela notava que novamente tinha mentido.

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