(sobre)viva

Capítulo 26

Alguma coisa naquele garoto não agradava a Jonathan. Sentia que já o vira antes em algum lugar, mas não conseguia se lembrar de onde, o que estava lhe dando nos nervos. Mas o que mais o incomodava era o fato de Mirabela ter escondido sobre Gustavo, mesmo depois da promessa que fizeram um ao outro há quase um mês atrás. Não queria pensar nisso, mas sabia que se sua irmã havia escondido isso dele era porque a verdade não o agradaria. E isso fazia com que sua ansiedade para saber a verdade aumentasse ainda mais.

Ainda tentando descobrir de onde conhecia Gustavo, ele não percebeu quando o mesmo se aproximou dele. O garoto era quase do mesmo tamanho que Jonathan, talvez alguns centímetros a mais que ele, um pouco mais largo também, o que não era algo muito difícil –da qual Mirabela adorava tirar com sua cara-. Os olhos coloridos do rapaz o encararam e então, como mágica, Jonathan se lembrou de onde o conhecia.

Falhando miseravelmente na tentativa de não demonstrar o que acabara de descobrir, ele praguejou baixinho, rendendo um olhar interrogativo do menino ao seu lado. Ele precisava alertar Mirabela, e rápido.

-Ei, Jonathan, certo? –Quase revirando os olhos, ele assentiu com a cabeça- Senti que não foi muito com a minha cara, mas juro que não estou aqui para coloca-los em perigo, na verdade eu gostaria de ajuda-los.

Por um momento Jonathan só consegue ficar encarando o menino à sua frente. Então desviou o olhar e percorreu o ambiente em busca dos olhos azuis cinzentos de sua irmã, mas para sua decepção, não os encontrou: Mirabela tinha saído com Isabelle para o jardim, onde conversavam e gargalhavam. Desistindo do apoio da garota, Jonathan volta sua atenção para Gustavo novamente.

-Acho que não entendi direito, Gustavo.

-Bem, acho que descobri algumas coisas que podem ser úteis para a busca de vocês...

-Como assim busca? –Ele semicerra os olhos enquanto continua encarando ferozmente o garoto. Eu vou matar Mirabela. Como se a garota tivesse sido invocada com esse pensamento, ela se apressa ao seu encontro. Só então ele percebe que fazia alguns minutos que o burburinho de conversa e as risadas haviam cessado- Escutando conversa alheia, irmãzinha? Achei que fosse mais educada.

Mirabela o encara com fúria brilhando em seus olhos, mas não consegue evitar que as bochechas fiquem vermelhas e a entreguem. Apesar de estar furioso com ela, Jonathan deixa um riso escapar ao ver sua reação. Espera que a resposta afiada venha logo em seguida, mas se decepciona, pois ela não dá indícios de querer revidar.

-Guga, acho que esse não é o melhor lugar para essa conversa, sabe? –A garota aponta com a cabeça na direção de Isabelle e Willian, ambos os encaravam.

Isabelle não fazia ideia do que estava acontecendo com eles, uma decisão de Mirabela para protege-la, assim como permitiam que Will soubesse o mínimo possível. Então sua irmã estava certa quanto a interromper aquela conversa, antes que fosse tarde demais. Mesmo querendo desesperadamente saber da história toda e o que Gustavo tinha a falar, Jonathan balança afirmativamente a cabeça, sendo acompanhado pelo garoto de cabelos negros ao seu lado. 

-Ei, galera, que tal um cinema? –Isabelle acenava para que todos fossem para perto dela. Estava com o computador de Mirabela em seu colo e apontou com o indicador uma série de filmes que estavam em cartaz. Jonathan sabia que a garota estava apenas tentando tornar aquele dia mais agradável e divertido, principalmente para sua irmã, assim como vinha fazendo nos últimos tempos. Mesmo sentindo um certo ciúmes da proximidade das duas garotas, como se ele estivesse sendo substituído, sabia que Mirabela merecia e precisava daquela amizade. -Por mim o que escolherem está ótimo, exceto terror. Se quiserem terror é só visitar a casa do Willian, mas me deixem longe disso, por favor. –Jonathan admirava a capacidade que Izzy tinha de fazer qualquer um sorrir, mesmo em momentos de tensão ou tristeza.

Por um momento temeu que Will ficasse mal com o comentário, sabia que o menino não estava muito bem e que qualquer menção à sua família ou à casa mexia com ele. Mas, felizmente e para sua surpresa, o menino estava com um sorriso no rosto também. Não pôde deixar de ficar feliz e aliviado com isso.

Jonathan e Willian sempre foram grandes amigos e, depois do que aconteceu à família do garoto, estavam ainda mais próximos. Era óbvio que seu amigo não estava nada bem, e ele fazia de tudo para tentar ajuda-lo e apoiá-lo. No início pensou que estava dando certo, que estava conseguindo animar Will, mas bastou que ficasse um tempinho acordado à noite para descobrir que o menino chorava todos os dias. Além disso, Jonathan sentia muita falta do garoto alegre e que deixava todos a sua volta tontos de tanto falar. Willian se tornara vazio, ele percebeu, e tinha medo do que isso poderia acarretar.

Alguém o cutucou no braço, tirando-o de seus devaneios. Mira o encarava com dúvida e pena brilhando em seus olhos familiares. Ah, ele odiava ver o sentimento de pena dirigido a ele. Por um momento ficou apreensivo e virou rapidamente a cabeça olhando em volta. Felizmente, apenas sua irmã havia notado algo estranho em sua postura. Não que fosse surpresa que ela o tenha feito, afinal os dois tinham uma estranha capacidade de perceber quando o outro estava em alguma luta interna, parecia até um radar, um sexto sentido. Mas pelo jeito, o de Jonathan estava falhando, pois ele não percebeu que a irmã estava escondendo algo dele, ou melhor, escondendo alguém dele, não até que Gustavo entrasse naquela casa arrastado por Isabelle.

Não se deu ao trabalho de ir contra a decisão tomada pela maioria de qual filme iriam assistir. Sabia que não iria conseguir prestar atenção mesmo, que diferença faria? Sendo assim, apenas balançou afirmativamente a cabeça para o grupo, que logo em seguida se dirigiu à garagem, onde o carro de Isabelle estava estacionado. Jonathan, Willian e Mirabela sentaram-se na parte de trás, enquanto Izzy ia dirigindo com Gustavo ao seu lado. 

                                         ************

O trajeto, felizmente, foi rápido e, em menos de dez minutos, Jonathan estava livre da cantoria desafinada da irmã e sua amiga. Mirabela, desde pequena, adorava cantar acompanhando o rádio, não importava o quão longa ou curta fosse a viajem. Infelizmente para seus ouvidos e os de qualquer um que estivesse junto no carro, ela não tinha o dom para a música.

Os cinco saíram rapidamente do carro e se dirigiram para a porta do cinema, onde uma fila se formava, e aumentava a cada segundo, para a compra dos ingressos. O sol atrapalhava sua visão, mas ao menos não estava disposto a torra-los vivos como durante quase todo o verão, o que era muito bom, considerando o tempo que teriam que esperar do lado de fora, na fila.

Isabelle tagarelava sem parar com Mirabela e tentava fazer com que Willian se animasse também –Jonathan tinha que admitir que estava dando certo, pois o garoto começou a se soltar e a conversar junto, algo raro nos últimos dias. Enquanto isso, ele encarava a fila que ia diminuindo em um ritmo lento à sua frente. Quase tinha se esquecido da presença do outro garoto, até que este o cutucasse no braço.

-Será que não podemos deixar Willian e Isabelle conversando e então posso compartilhar com você e Bella o que tenho a dizer? –Jonathan o olhou incrédulo. -Sabe, é realmente importante e não estou afim de desperdiçar essa chance.

-É.. bem... claro, sim. Vou chamar Mira e daí você fala, ok? 

Ele caminhou pensativo até onde Mirabela se encontrava conversando com Izzy e Will. Não foram necessárias palavras, apenas um olhar e sua irmã dispensou os amigos e foi em sua direção.

-O que foi, Jhon?

-Gustavo quer falar com a gente. Disse que quer aproveitar essa oportunidade para nos falar o que quer que tenha a dizer. Não fui com a cara dele, mas parece ser algo importante.

Mirabela volta seu olhar para os amigos que ficaram conversando na fila e, logo em seguida, o dirige para o garoto alto de cabelos negros um pouco mais distante, na única sombra visível do lado de fora do cinema. Então ela finalmente o encara.

-Bem, não acho que essa fila vá andar tão rápido assim. Qualquer coisa Izzy e Will compram nossos ingressos e nos encontramos lá dentro. – Voltando a olhar novamente para Gustavo, complementa- Só espero que não demore muito.

Mirabela toma a frente e os guia até o menino escorado na única árvore daquele lugar. Jonathan fica feliz pela sombra.

-E então, o que tem para nos dizer de tão importante?