Capítulo 14

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Três semanas atrás

Marcel não conseguia entender o que acabara de acontecer. Quando os gêmeos saíram de sua sala, ele não conseguiu evitar as lágrimas que lhe escorreram pela face, lavando sua dor, pela perda do grande amigo. Não entrava em sua cabeça a ideia que Robert poderia ter cometido suicídio, principalmente se estava acontecendo algo perigoso, no fundo ele acreditava que o homem estaria apenas se escondendo, tendo dito aquilo na carta apenas como forma de despistar a qualquer um que tentasse ir atrás dele.

Mas Simons não tinha como ter certeza, sendo assim decidiu que o melhor a se fazer seria ajudar a família Blake, como uma forma de horar a alma do amigo. Como os gêmeos falaram que não poderiam visitar Lewis Turner antes do final de semana, ele decidiu que iria até lá depois de acabar seu horário para ver se descobria algo, afinal nunca se sabe quando pode ser tarde demais. 

Assim como em quase todos os dias, as pessoas que precisaram de seu atendimento foram pouquíssimas, pois aquele hospital não tinha a melhor reputação da cidade. Várias vezes os empregados sugeriram a reforma do lugar, mas ninguém se disponibilizou para fazê-lo e os superiores deram a desculpa de ser um lugar para emergências que ocorressem nas redondezas, então se tivessem empregados preparados para o trabalho já era o suficiente, pois a reforma seria um gasto desnecessário e fútil. Claro que ninguém que passasse por lá, ou trabalhasse no hospital, pensava que uma reforma seria algo desnecessário, mas não havia nada que pudesse ser feito para mudar a cabeça dos superiores, que realmente tinham poder lá dentro. 

Quando seu horário acabou, Marcel não perdeu tempo em arrumar suas coisas e deixar o hospital.

-Vish, para que tanta pressa Simons? –Perguntou Katherine ao vê-lo passar rapidamente pela portaria. Não sabia o que responder e sua mente estava um pouco bagunçada com as possibilidades do que poderia descobrir que respondeu rapidamente:

-Tenho que fazer uma coisa para Robert Blake e sua família –Ele não esperou para ouvir a resposta da senhora e adentrou rapidamente em seu carro.

Para sua sorte, a estrada não estava muito movimentada, ou talvez ela nunca estivesse, porém ele não tinha como saber, pois essa era apenas a segunda vez que seguia por esse caminho. Marcel se lembrava do dia em que ele e Robert, os dois ainda jovens e cursando universidade, foram para o sítio dos pais do homem. Naquela época o amigo estava começando a montar um laboratório particular, onde ele poderia fazer experimentos sem ser incomodado e avançar em suas pesquisas para seu MQP (Major Qualifying Project). Robert, que estava se formando em virologia, estava fazendo uma pesquisa sobre Quimeras virais, inclusive, dissera que tentara criar uma em seu laboratório, mas nunca chegou a confirmar se havia dado certo, e Marcel nunca lembrara de perguntar.

Concentrando-se novamente na estrada, Simons viu um par de motoqueiros passar por ele em alta velocidade e, inevitavelmente, xingou os dois pelo descuido. Ele notou rapidamente que pareciam do tipo "capanga" dos filmes americanos ,sendo que um deles ainda tinha um rabinho (que ele pensara consigo mesmo ser algo um pouco ridículo para alguém daquele tamanho) esvoaçando para fora do capacete. 

Não demorou muito para que Marcel avistasse o campo bem cuidado e a casa de aspecto antigo, mas ainda assim bonita e elegante, da família Turner. Da última vez em que viera, aquela casa pertencera aos avós dos gêmeos, mas estes haviam morrido a alguns anos, então os caseiros puderam ficar com ela. Mesmo após tanto tempo, o lugar estava muito semelhante ao que ele se lembrava. 

Se aproximando do portão de madeira que dava entrada ao grande pátio, o homem estacionou seu carro e se apressou em bater palmas para chamar a atenção dos moradores da casa. Rapidamente uma mulher baixa, de cabelos curtos, cacheados e castanhos com indícios de cinza, veio em sua direção trazendo consigo uma chave, onde um enorme pingente em formato de chapéu de cowboy estava pindurado. Ao que se lembrava, o nome dela era Helen Turner, esposa de Lewis Turner.

-Boa tarde! –Cumprimentou Helen com um sorriso crescendo em seu rosto. Era evidente, não só pela cor do cabelo, mas também pelas rugas, que começavam a dar as caras em sua face, que a mulher tinha entorno de uns 45 anos.

-Boa tarde, senhora Turner! –Marcel ofereceu um sorriso e um aceno de cabeça a ela – Sou Marcel Simons, velho amigo de Robert Blake. Estive conversando com os filhos deles hoje à tarde, eles me disseram que Robert deixou algo com vocês, mas não poderiam vir aqui antes do final de semana, então decidi ajuda-los vindo eu mesmo.

-Marcel! –A forma como ela exclamou seu nome fez parecer que ela lembrara de algo ao ouvi-lo. Como se respondendo a essa questão, Helen continuou, ao mesmo tempo em que abria o portão- Entre, entre. Meu marido e eu realmente estávamos esperando você e não apenas a Eliza e seus filhos. –Vendo a expressão de confusão no rosto do homem, ela prosseguiu a explicação- Robert disse que você viria aqui. Realmente não sei como ele tinha tanta certeza de que você aparecesse aqui sem ter mandado nenhum recado ao senhor. Parece que ele o conhecia muito bem.

Simons diria que não era apenas a ele que Robert conhecia muito bem, mas a seus filhos também. Quando Mirabela e Jonathan mostraram a carta a ele, Marcel não pode evitar sentir um pouco de raiva pelos irmãos terem mostrado aquilo, afinal a própria carta dizia para não confiarem em ninguém e lá estavam eles, mostrando a carta na primeira oportunidade. Agora, porém, ele entendia que Robert já contava com essa situação, e que estava esperando que Jonathan quisesse mostrar a carta a Simons (ele tinha certeza que Mirabela tinha sido contra a ideia)

-Bem, Robert deixou para você uma carta, segundo ele explicando toda essa confusão. Posso saber bastante, mas ainda assim estou perdida quando se trata dessa história. Lewis saberia te explicar melhor, mas ele e Willian saíram para fazer compras no mercado da cidade, então terá que ser eu mesma.

Os dois seguiram para a pequena casa sem dizer muitas palavras. Helen o convidou para entrar e ofereceu uma xícara de café e alguns biscoitos, que ele aceitou sem pensar duas vezes, pois estava faminto por não ter comido nada desde o almoço. Enquanto ele se empanturrava de biscoitos, Helen fora buscar a tal carta que Robert deixara para ele. Não demorou muito para que ela voltasse com uma folha nas mãos e um olhar pensativo.

-Marcel, esta é a carta de que lhe falei. Não se preocupe, não a abrimos e não fazemos ideia do que há dentro dela. Não posso lhe falar o que está destinado a Eliza e aos gêmeos, mas acredito que Robert tenha deixado algo sobre isso em sua carta.

O homem ficara realmente surpreso e decepcionado com a afirmação da mulher sobre não poder lhe contar o segredo, mas não se deixou abalar. Pegando a carta da pequena e gorducha mão de Helen, que estava estendida, ele se levantou e encaminhou-se para a porta. Antes que pudesse abri-la, a mulher o interrompeu:

-Senhor Simons, há outra coisa que precisa saber: segundo Robert há pessoas más intencionadas atrás desse segredo e, após ler esta carta, ele sugeriu que se mudasse para outro lugar e, por segurança, queimasse ela. Minha família e eu também estamos pensando em nos mudarmos, mas ainda não sei como fazer com Willian, pois ele não sabe de nada sobre isso e, nos mudarmos agora e às pressas, não seria muito bom. Mas não estamos descartando a ideia. Enfim, sugiro que faça o mesmo se possível. Até mais.

Com isso ele se despediram e Marcel rumou a seu carro. O homem não sabia se era melhor ler a carta naquele momento, ou se seria melhor esperar até chegar em seu apartamento para poder se concentrar mais e pensar com calma em tudo que nela estaria e no que Helen dissera. Escolhendo a segunda opção, ele dirigiu com o máximo de atenção que conseguiu, tentando excluir de sua mente as questões que começavam a surgir, com medo de causar um acidente.

Mesmo antes de ler aquele papel, Simons já havia decidido o que faria em seguida e, na manhã da quinta-feira, pediu demissão do hospital.

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