Mirabela não recusara quando Gustavo a abraçou, não tinha forças suficientes para o fazer, mas também queria aquilo. Não conseguia lembrar a última vez em que permitira-se ser abraçada, ou mesmo chorar. Talvez fosse por isso que, quando começou, foi impossível conter as lágrimas e os soluços, como se seus sentimentos estivessem transbordando e não mais queriam ser presos e enjaulados no fundo da sua mente, como se estivessem se libertando todos os sentimentos que ela prendera com tanto afinco durante anos. Desistindo de segurá-los, Mirabela apenas retribuiu o abraço do garoto e continuou soluçando.
Não era possível dizer quanto tempo durou o abraço, mas para a menina, pareceu terem se passado horas chorando, tanto que ela começava a sentir uma leve pontada de dor na cabeça, além de uma breve falta de ar e tontura. Mesmo com os "efeitos colaterais", Mirabela se sentia mais leve de alguma forma, como se um enorme peso tivesse sido tirado de suas costas.
-Ei, você está melhor? –Pergunta Gustavo com um ar de preocupação, provavelmente devido ao tempo em que ela ficara chorando.
Desvencilhando-se do abraço, um pouco envergonhada pelo o que acontecera, ela enxugou as lágrimas na manga da camiseta e respondeu:
-Sim, eu acho. Na verdade, sei que vai soar um pouco estranho, mas estou me sentindo muito melhor do que venho me sentindo a muito tempo.
Ela volta o olhar para ele novamente, esperado ver uma expressão de estranheza em seu rosto, mas o que encontra é compreensão, como se Gustavo já tivesse passado por aquilo inúmeras vezes e entendesse completamente o que ela estava sentindo. Se aproximando dela, ele seca com o dedo uma lágrima que acabara de cair em sua face e, calmamente, responde:
-Na verdade, não, não é estranho. As vezes ficamos guardando nossos sentimentos com medo de senti-los, mas esquecemos que tudo uma hora transborda quando muito cheio.
Percebendo que estavam se encarando, Gustavo ainda com a mão em seu rosto, Mirabela desvia o olhar rapidamente, procurando alguma coisa aleatória ao seu redor. Ao notar seu desconforto, o garoto se afasta e começa a fazer o mesmo, mexendo em algumas prateleiras, enquanto ela remexia em alguns papéis atirados sobre a mesa do laboratório.
Mesmo se esforçando, a garota não conseguia focar no que estava escrito nos papéis, torcendo para que não fosse nada muito importante ou relevante. Só conseguia pensar no que o tagarela e alegre garoto dissera antes, contradizendo tudo o que aparentava ser. Além disso, ela tinha certeza do brilho triste que vira em seu olhar, que o fez parecer muito mais velho e maduro do que realmente era, como se estivesse lembrando do que já passara em sua vida. Mas o que ela tinha a ver com isso? Todo mundo tem seus próprios problemas e ele com certeza não seria uma exceção. Mas Mirabela não conseguia parar de pensar no que o fizera ficar tão triste, não sabia o porquê, mas não entendia e não gostava da forma como estava se importando com ele.
-Ei, Mirabela! –Interrompida de seus devaneios, a garota se virou rapidamente na direção da voz, e encontrou Gustavo, a alguns passos dela, segurando uma caixa, em formato de baú, nas mãos. –Será que não há algo útil aqui dentro? –Dando uma olhada melhor na caixa tentou abri-la, mas sem sucesso. Com um olhar de decepção, ele complementou- O único problema é que precisa de uma chave para abrir e, aparentemente, não temos ela.
-Posso ver o fecho? –Ela sabia que usar grampos só funcionavam em filmes e livros de ficção, portanto nem gastaria seu tempo tentado (além do mais, ela não tinha grampos). Mas outra coisa passou pela sua cabeça. Como um flash, uma lembrança, de alguns meses atrás, lhe veio à mente.
Na lembrança estava ela e seu pai. Mirabela estava debruçada em cima de alguns livros estudando para a prova de química que teria no dia seguinte, mas faziam alguns minutos que ela desistira de tentar entender a matéria e começara a chorar. Seu pai aparecera instantes depois para ver o que estava acontecendo e, lhe tirando os cabelos castanhos que caíam sobre seu rosto, Robert arrancara os livros da mesa e começara a lhe fazer perguntas. Depois de responder todas corretamente, o pai lhe dissera:
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(sobre)viva
Mystery / Thriller🏅VENCEDOR DOS PREMIOS WATTYS 2021 EM SUSPENSE 🥇lugar em suspense no Concurso Relâmpago de Natal 🥉Lugar na segunda edição do concurso Mestres Pokémon- terror/mistério. 🏅Vencedor da categoria "melhor sinopse" no concurso Pena de Ouro, primeira edi...