Apesar de Mirabela não ter comido quase nada no café da manhã por conta da ansiedade em visitar a família Turner, a fome tinha dado lugar a um sentimento vazio depois de tudo o que Will contou. A menina, assim como todos ao redor da mesa, encarava seu prato e remexia com o talher a comida de um lado para o outro. O silêncio era pesado na cozinha, mas ninguém tinha coragem, ou vontade o suficiente para quebrá-lo.
Willian ainda estava em choque, e Mirabela sabia que não era para menos, mas sua aparência estava um pouco melhor depois de um banho e de substituir as roupas manchadas de terra e sangue por uma muda limpa do armário de Jonathan. Apesar disso, ainda era estranho e desconfortável estar na presença de um Will silencioso e cabisbaixo.
A partir daquele dia o garoto teria que morar com eles, ao menos até Eliza decidir o que deveriam fazer. Ligar para a polícia tecnicamente seria a opção mais óbvia, mas todos concordaram que algo estava errado, muito errado, e que essa não era a melhor escolha. Foi uma coincidência enorme o fato de Eliza ter ligado para a mãe de Willian e, logo em seguida, tudo aquilo acontecer.
Mirabela ainda não estava certa quanto ao que acontecera aos pais de Willian. Não seria inteligente da parte dos invasores simplesmente matá-los, não quando eram eles quem tinham as respostas. A garota tinha quase certeza de que eles estavam vivos, apesar de presos em algum lugar. Mas esse era o tipo de pensamento que ela preferia guardar apenas para si, ou no máximo compartilhar com seu irmão, pois se ela estivesse certa, talvez a morte fosse uma alternativa melhor. Ao menos em seus livros era.
A agitação do restante do dia por conta da mudança de Will para a casa da família dos gêmeos foi um ótimo remédio contra os diversos pensamentos que gritavam para correrem livres pela mente da garota. Por algumas horas, foi possível apenas fingir que era apenas um dia normal de férias, quando Will costumava aparecer para passar um tempo com os amigos. Mas por apenas algumas poucas horas.
Eliza havia ido sozinha buscar os pertences do garoto enquanto eles arrumavam um espaço no quarto e uma cama, apesar de ambos os filhos terem quase implorado para que ela não o fizesse. Mirabela revirou os olhos quando a mãe alegara que Willian precisava de companhia e estava abalado demais para voltar lá, mas no fundo ela sabia que a mãe estava certa. E sabia também que Eliza não queria colocar os filhos em perigo, mesmo que isso significasse que ela mesma correria perigo.
Mirabela começava a sentir um carinho e admiração que nunca tinha experimentado com sua mãe até então.
Apesar de arriscado, Eliza fora e voltara sã e salva, além de ter encontrado uma possível pista para o que havia acontecido naquela madrugada. A fome que Mirabela estava sentido evaporou com a lembrança de tudo.
-Tenho quase certeza de que eles voltaram lá. –Comentou Eliza, relatando os eventos das últimas horas- Eu achei uma carta, provavelmente escrita às pressas e com a primeira coisa que encontraram. –Ela fez uma pausa, certamente com receio do que a carta poderia significar para o menino de olhos tristes na ponta do sofá. Mirabela sabia que a carta era para ele. E sabia que ela provavelmente o deixaria mais desconfiado deles do que provavelmente já estava. A menina não poderia culpá-lo.
-E o que dizia a carta, senhora Blake? –Interrompeu o menino, quando a pausa se tornou excessivamente grande, como se Eliza tivesse se perdido em meio a seus pensamentos. Ela se recompôs e limpou a garganta antes de responder:
-Bem, eu tenho ela aqui. Gostariam de vê-la?
Com isso, a mulher colocou a mão no bolso do casaco marrom, tirando de lá uma folha um tanto rasgada e com um desenho, uma tentativa da representação de um cachorro, em um dos lados. Ela desdobrou o papel e estendeu para Jonathan que estava mais próximo. O garoto olhou com uma expressão de surpresa e medo, e então, entregou a carta à irmã, que esperava nervosa para ler. Ela pegou a folha e leu juntamente com Willian, que estava ao seu lado, ansioso por alguma notícia dos pais.
Mirabela sentiu o garoto estremecer.
"Vocês não conseguirão encontrá-los vivos, se era isso que esperavam, mas se contarem para alguém, eles não serão os únicos a morrer. "
Agora ela entendia o recado que seu pai deixou por último na carta, quase esquecido. Será que ele já esperava por isso?
Pegar no sono nunca fora tão difícil quanto nos últimos dias, mas Mirabela imaginava que estivesse sendo muito mais difícil para Willian do que para ela. Enquanto em sua cabeça passavam apenas teorias e ideias, a do menino deveria estar repleta de imagens e lembranças que ela preferia nem pensar sobre. Eles estavam lidando com algo muito maior do que tinham imaginado, e agora estavam muito atrás de quem quer que devessem combater. O pior de tudo isso, era que eles não faziam ideia do que estava acontecendo e o que precisavam proteger e, agora, qualquer esperança de descobrir se fora rápido como um suspiro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
(sobre)viva
Mistério / Suspense🏅VENCEDOR DOS PREMIOS WATTYS 2021 EM SUSPENSE 🥇lugar em suspense no Concurso Relâmpago de Natal 🥉Lugar na segunda edição do concurso Mestres Pokémon- terror/mistério. 🏅Vencedor da categoria "melhor sinopse" no concurso Pena de Ouro, primeira edi...