Capítulo 11

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Faziam apenas duas semanas que Gustavo mudara-se para Washington, após o pai obriga-lo, de certa forma. No início ele achou que seria muito bom se livrar de Diego e daquele cubículo onde passava a maior parte do dia, além de poder conhecer pessoas e frequentar a escola novamente. Para sua infelicidade, assim que chegara, o período letivo se encerrara e ele fora obrigado a permanecer o tempo todo naquele sítio no fim do mundo, a aproximadamente meia hora de carro de alguma cidade. A única coisa próxima era uma casa aparentemente abandonada e que lhe dava calafrios.

Os "amigos" de seu pai, com os quais ele agora precisava morar, eram dois irmãos mal-encarados. Um deles era careca e alto de olhos escuros, quase pretos, o outro era um pouco mais baixo, com cabelos compridos e castanhos, que ele sempre mantinha amarrado em um rabinho atrás da cabeça. Ambos eram musculosos e aparentavam ser "capangas", ao invés de "amigos", como tantas vezes o garoto vira em filmes. Gustavo agradecia o fato de os homens não terem tempo de ficar em casa durante quase toda a semana -saíam ao amanhecer e só voltavam ao entardecer-, tinha medo do que poderiam estar fazendo, mas não podia negar que ficava feliz em não estar na companhia deles.

O único dia em que alguém além dele e dos irmãos foi visto naquele fim do mundo, foi há mais ou menos uma semana atrás. Três adolescentes, que provavelmente tinham a mesma idade que ele, desembarcaram de um taxi em frente àquela casa abandonada –o garoto se perguntava como eles tinham coragem de, sozinhos, entrarem naquele lugar assustador, ou talvez ele próprio só tivesse tanto medo por causa das histórias macabras que imaginava sobre a casa, em seu tempo vago.

Hoje, para sua surpresa, novamente um taxi parou lá. A mesma garota que viera na semana passada desembarcou, mas sem os outros dois garotos que estavam com ela como da outra vez. Ele estava observando e tentando entender o que a menina estava fazendo lá -porque aparentemente não fazia sentido que uma pessoa em sã consciência fosse sozinha naquele lugar-, quando foi surpreendido pelo irmão mais baixo e que possuia o rabinho de cavalo (cujo nome ele descobrira ser Cassian):

-Você vai sair agora mesmo daqui e vai chamar aquela garota –Disse Cassian, com seu habitual tom ameaçador. Vendo a expressão de dúvida no rosto do menino, ele complementou- Se você quer relatar algo útil para seu pai, sugiro que faça o que estou mandando.

O objetivo de ele estar lá era relatar, todos os dias, aquilo que acontecia no lugar. Até agora, apenas o relatório da semana passada, no qual ele comentou sobre o aparecimento dos três adolescentes, fora aceito pelo pai. Além de ser estranho o fato de alguém aparecer por lá para visitar uma casa abandonada, era ainda mais estranho que seu pai tenha interesse em três pessoas de sua idade.

Obedecendo a ordem de Cassian, ele se dirigiu até a porta, ainda pensando no que falaria para a garota desconhecida sem assustá-la. Quando ele abriu a porta de madeira que dava para a varanda e, mais à frente, para a estrada de terra que separava as duas propriedades, o capanga chamou sua atenção:

-Escute bem garoto, você sairá correndo daqui e chamará ela pelo nome Mirabela Blake. Quando ela perguntar como a conhece, diga que mora aqui a algum tempo com seus tios e era amigo de Willian Turner –Com uma pausa para ver se o menino estava entendendo, ele continuou- Diga que gostaria de saber o que aconteceu com ele e pergunte o que ela está fazendo aqui. Tente descobrir o máximo possível e faça com que ela goste de você –Com um empurrão, ele fez com que Gustavo saísse da casa.

 O menino esperou um momento, tentando entender o que acabara de acontecer e porque precisava tanto falar com aquela garota. Quem era ela? Cassian falara que seu nome é Mirabela Blake... Blake, ele já ouvira esse nome em algum lugar. E quem era Willian? Porque ele precisaria fingir ser seu amigo? 

Ele foi tirado de seus devaneios pelo som de alguém gritando. Com um olhar para o outro lado da estrada, ele viu que o grito saíra de Mirabela,  não era um grito de medo, mas de raiva. Aparentemente a garota não estava conseguindo abrir o portão emperrado. Percebendo que esse era um ótimo momento para tentar pôr em prática o que Cassian ordenara, o garoto saiu correndo e chamando o nome da menina.

- Ei! Você é Mirabela certo? Mirabela Blake?

Ao ouvir que estava sendo chamada, a garota se virou rapidamente para ele, a raiva do portão se dissipando aos poucos. Ela tinha olhos de um azul acinzentado e os cabelos desciam pelas costas em uma cascata de ondas (não eram exatamente cacheados como de sua falecida mãe, mas também não eram lisos, então achou que a melhor definição seria ondas) castanhas. Provavelmente ela não vinha dormindo direito, pois haviam enormes olheiras embaixo de seus olhos, que nem mesmo a maquiagem que ela tentou usar, foi capaz de disfarçar. Além disso, sua pele estava um pouco pálida, como se há dias não visse o brilho do sol.

Depois de um momento ela desviou a cabeça para o lado, e só então ele notou que ela estava o encarando. Gustavo nem se importava mais com isso, estava acostumado com todos que o viam pela primeira vez ficarem encarando, mais especificamente, seus olhos. Uma vez ele se odiara por ter um olho de cada cor, quando criança o chamaram de aberração, mas agora ele agradecia por, ao menos, ter algo que o lembrasse de sua mãe. Todos que um dia a conheceram diziam, ao vê-lo pela primeira vez, que o tom de seu olho direito era exatamente o mesmo âmbar de sua mãe. A única coisa ele odiava era ter a marca de seu pai, que cada vez se mostrava ser pior do que parecia.

Mirabela finalmente voltou seu olhar para ele novamente e respondeu:

-Hum, sim. Sou Mirabela Blake. E quem é você?

Cassian não lhe dissera nada sobre precisar mentir seu nome e, por mais que tenha pensado ser necessário, não estava interessado em ajudar no que quer que fosse que Diego estava planejando. Sendo assim ele respondeu com sinceridade:

-Sou Gustavo, mas pode me chamar de Guga. Acho que você está precisando de uma mãozinha para abrir esse portão, não é? –Com um sorrisinho sem graça, Mirabela abriu espaço para ele ajudá-la a desemperrar o portão.

Agora ele agradecia por sua mãe tê-lo obrigado a fazer anos de cursinho de inglês, por mais que ele odiasse. Até então seus conhecimentos na língua não tinham sido muito úteis, já que ele só ficava fechado em casa e Cassian e Gideon falavam português.

 -Então... Guga –Começou Mirabela- Há quanto tempo mora aqui? Ou só está visitando parentes, como eu?

-Na verdade não faz muito tempo que estou aqui morando com meus... –Com uma pausa, pensando se realmente seguiria o roteiro imposto por Cassian, ele prosseguiu- Estou morando com meus tios. Você tem certeza de que está vindo aqui visitar alguém? Não acho que alguma alma viva esteja dentro dessa casa abandonada, a menos que...

Ele deixou no ar o resto da frase enquanto a garota dava risada de sua tentativa de fazer uma piada para quebrar o gelo.

-Ok, talvez eu não esteja fazendo uma visita. Mas uma vez essa era a casa de meus avós, e, até mês passado, de amigos da minha família.

-Por que até mês passado? –Mesmo sabendo que cada pergunta que fizesse ajudaria nos planos do pai, ele não conseguia evitar sua curiosidade.

-É uma longa história, a qual ainda não estou preparada para comentar com ninguém –Ou talvez não pudesse comentar com ninguém, pensou ele.

-Hum... Mas afinal, o que você vai fazer nessa casa abandonada? Não acha um pouco perigoso entrar lá sozinha? –Mesmo não conhecendo ela direito, Gustavo não pode evitar sentir um frio na barriga ao imaginar alguém entrando naquele lugar assombroso sozinho, então se ofereceu para ir junto com ela, mas se arrependeu no minuto seguinte, com medo do que pudesse ter lá- Se quiser, posso ir com você. Não tenho nada importante para fazer. Na verdade, não tenho absolutamente nada para fazer, importante ou não.

Os dois riram e ela aceitou sua companhia. Então, caminharam juntos em direção àquela casa, onde nem mesmo os raios de sol tinham coragem de entrar.

(sobre)vivaOnde histórias criam vida. Descubra agora