Ele não sabia por quanto tempo ainda conseguiria disfarçar, quanto ainda conseguiria segurar até desabar. Faltava cerca de uma semana para as aulas recomeçarem e essa era a primeira vez que Willian ansiava por esse acontecimento. As férias foram as piores que poderia ter tido em toda a sua vida: perdera sua família, sua casa, sua vida como conhecia e fora atirado em uma situação confusa e estranha.
Sua mãe, Helen Turner, sempre falava que a família Blake era um pouco estranha, mas ainda assim eram confiáveis e ótimos amigos. Willian não sabia mais o que fazer ou pensar, só queria poder correr para os braços de sua mãe enquanto ela alisava seus cabelos castanhos. Mas isso não era mais possível, porque seus pais ajudaram Robert Blake e agora estavam mortos.
Faziam quase três meses que ele vinha fingindo não se importar, fingindo não guardar rancor. Sabia que isso não era bom, mas não conseguia evitar pensar que tudo o que acontecera era culpa daquela família estranha que agora o abrigava. Deveria ser agradecido pelo que estavam fazendo, e até se sentia, mas sempre havia, no fundo de sua mente, uma voz o lembrando sobre seus pais e repetindo: a culpa é deles.
Jonathan costumava estar com ele o tempo todo. Era um ótimo amigo, isso ele não poderia negar, sempre o ajudava e tentava distraí-lo. Na maioria das vezes funcionava e, durante o dia, Willian podia fingir que nada daquilo acontecera no início do verão, que fora só um pesadelo e que ele estava apenas passando as férias com seus amigos na cidade e que, quando voltasse para casa, seus pais estariam lá para recebe-lo calorosamente, com a mesma saudade que ele sentia agora. Mas de noite, antes de dormir, aquelas fantasias eram impossíveis e ele aproveitava a escuridão e o silêncio para chorar. Aproveitava as estrelas para desabafar.
E ele não tinha planos diferentes para aquela noite. Porém, logo após o jantar –o qual era totalmente desorganizado, pois cada um comia quando queria ao invés de sentarem todos juntos na mesa, como os Turners costumavam fazer- Eliza lhe entrega o telefone, dizendo que era uma ligação para ele.
Quem ligaria para ele? Ao que sabia ninguém além dos Blakes tinham consciência de sua existência, ou ligavam para ela. Não tinha outros familiares nem amigos. Então quem poderia ser?
-Tome, é para você. –Disse a mulher estendendo o telefone em sua direção delicadamente, como se ele fosse um animal assustado que se precisasse ter cuidado. Talvez realmente fosse. Não sabia como estava sua expressão naquele momento, mas tinha quase certeza de que "assustado" provavelmente se encaixaria.
Aceitando e pegando o telefone nas mãos, Willian o levou ao ouvido. Eliza o deixou sozinho na ampla sala de estar e ele não pôde deixar de se sentir agradecido: ao menos ali ele tinha privacidade.
-Alô? –Provavelmente a dúvida e a surpresa estava explícita em sua voz, mas ele não se importou em esconder. Não tinha a mesma capacidade de disfarçar seus sentimentos como Mirabela. Ele admirava isso nela.
-Willian Turner? –Ele murmura um uhum em resposta- Que bom finalmente falar com você.
-E quem exatamente seria você?
-Ah sim, claro! Você não me conhece ainda, se é isso que está se perguntando. Mas eu te conheço muito bem. Na verdade, conheço toda sua família, nos aproximamos muito nos últimos meses.
Aquilo estava muito estranho. Talvez fosse algum trote, ou coisa do tipo, mas não custava ouvir o que o homem tinha a dizer, não é? Não se importava com falsas esperanças.
-O senhor ainda não respondeu minha pergunta. –Não sabia o porquê, mas baixar a voz parecia ser o certo a se fazer, como se aquela conversa não devesse ser escutada por terceiros.
-Quando seus pais falavam de você, não parecia ser tão mal-educado, Willian.
-O que você sabe sobre meus pais? –aquela frase saiu quase como um rosnado, se é que isso é possível.
-Ah, sei muito sobre seus pais garoto. Mas uma pergunta por vez. Meu nome é Diego e, a partir de agora, quem fará as perguntas serei eu, entendido? –Inevitavelmente um calafrio percorreu sua espinha ao ouvir o tom da voz do outro lado da linha. Deveria realmente continuar essa conversa ou apenas desligar o telefone? –Antes que pense em me deixar falando sozinho, saiba que encontrarei outros métodos para chegar até você e eles não serão tão amigáveis quanto esse. –Alguma coisa no seu modo de falar o fazia acreditar que tudo o que estava dizendo era verdade e não apenas uma ameaça.
Engolindo em seco, apenas concordou com Diego, nada tentado a descobrir esses outros métodos.
-Está bem, ouvirei o que quer que tenha a dizer. –Esperava que a tremedeira não fosse notável em sua voz.
-Escolha sábia. –Durante alguns segundos era possível ouvir uma conversa paralela do outro lado da linha- Bom, vamos ao que interessa. Eu posso te oferecer aquilo que mais deseja nesse momento, em troca de alguns pequenos favores. Coisas simples.
-E o que, exatamente, você considera como o que eu mais quero?
-Ora, não é óbvio? Seus pais!
-O senhor não tem como me oferecer isso. Caso não saiba, eles estão mortos –A garganta secou ao emitir essa frase e uma lágrima repentina lhe escorreu pela bochecha.
-Realmente pensei que fosse mais esperto Turner. –Ele ouviu o homem bufar do outro lado- Seus pais não estão mortos. Ainda não. Mas dependerá de você. Poderá tê-los de volta ou assistir à real morte deles, a escolha está em suas mãos, garoto.
-E como posso saber que não está blefando?
-Bem, posso lhe provar que seus pais estão aqui comigo –Gritos e ordens ecoaram- Filho? Você está aí Willy?
Ele desabou. Suas pernas perderam totalmente a capacidade de o manter em pé e o mundo todo parecia girar e cair junto dele. Seu pai falara com ele. Seu pai estava vivo. Não tinha dúvida alguma de que aquela voz era de Lewis Turner. Mas como? Ah, ele sabia como, agora tudo se encaixava. Deveria mesmo seguir em frente com este "acordo"? Era óbvio que teria que trair a família Blake, mas ele estava disposto a fazer qualquer coisa para ter sua própria família de volta.
-Pai?! Pai, você está me ouvindo? –Esperava não ter falado alto demais, mas sua euforia era enorme, sendo quase impossível se controlar. Mas não podia chamar atenção. Não com o que estava prestes a fazer.
-Diga que aceita e poderão conversar o quanto quiserem no futuro. Como eu disse: a escolha está em suas mãos. E então, Willian, o que vai ser?
-Eu aceito.
Talvez se arrependesse no futuro, mas apenas a perspectiva de ter seus pais de volta o fazia esquecer de todas as possíveis consequências. Que se danassem as consequências, os Turners ficariam juntos novamente.
-Bem, os termos são simples. Mas não esqueça que, se sair da linha ,eu ficarei sabendo e seus pais pagarão o preço.
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(sobre)viva
Mistério / Suspense🏅VENCEDOR DOS PREMIOS WATTYS 2021 EM SUSPENSE 🥇lugar em suspense no Concurso Relâmpago de Natal 🥉Lugar na segunda edição do concurso Mestres Pokémon- terror/mistério. 🏅Vencedor da categoria "melhor sinopse" no concurso Pena de Ouro, primeira edi...