Willian mal conseguia manter suas pernas firmes e imóveis enquanto encarava a TV, a apresentadora do jornal –uma jovem negra na casa dos 30 anos- já começava a tratar de outros assuntos, como se a morte de Eliza não fosse algo importante ou que merecesse tanta relevância. Claro, não era como se mortes não ocorressem todos os dias na capital, ou que mais alguém além das pessoas naquele apartamento choraria pela morte da mãe dos gêmeos.
O pior de tudo era o sentimento avassalador de culpa que o tomou. E Willian tinha certeza de que Jonathan torcia para que isso acontecesse. Porque, querendo ou não, foram suas ações e escolhas que culminaram nisso. Ele trocou, inconscientemente, a vida da mãe dos amigos por cinco minutos com seus pais.
E sabia que não tinha valido a pena. E que a culpa o perseguiria para sempre. E que seus amigos nunca o perdoariam.
Willian finalmente desviou os olhos do jornal, criando coragem para encarar a cena ao seu lado. Mirabela permanecia agarrada ao irmão, lágrimas escorrendo silenciosamente do seu rosto, enquanto o menino apenas a segurava com força, o rosto marcado por lágrimas já secas há algum tempo.
Tempo. Quanto tempo ele ficara imóvel ali apenas encarando? Quanto tempo o telefone de Mirabela ficou apitando até desligar? Quanto tempo ele tirou de Eliza? Quanto tempo até Diego perceber que ele já estava longe e vir atrás dele? Quanto tempo até ele descobrir que Heloísa o ajudara a fugir e então se vingar dela?
O que ele tinha feito? Quanto poderia ter evitado?
Suas pernas cederam, e o menino foi de encontrou ao chão. Ele abraçou os joelhos, sabendo que agia como uma criança mimada. Como um fraco e medroso. Mas, inferno, era exatamente o que ele era! E o que mais ele queria deixar de ser.
Willian não sabia quanto tempo havia se passado, mas então sentiu uma mão grande e quente em seu ombro, então ouviu a voz de Robert:
-Vamos tomar café?
O menino teve vontade de esmurrar o homem pela pergunta idiota e absurda para aquele momento. Mas como o grande covarde que era e nunca deixaria de ser, tirou o cabelo do rosto, se levantou e respondeu:
-Sim, por favor. –A voz saiu trêmula e rouca, apesar de sua tentativa de mantê-la firme. Aparentemente, nem seu próprio corpo ele era capaz de controlar mais.
Ao se levantar e seguir o homem pelas portas até a cozinha, Willian notou que Mirabela e Jonathan não estavam em lugar algum. No fundo, queria apenas sair pela casa atrás dos amigos. Mas tinha certeza de que a única recepção então seria um objeto atirado contra ele, muito provavelmente. Sendo assim, se permitiu sentar na cadeira que uma mulher de cabelos castanhos e ondulados, pele escura e olhos cor de mel –e de feições não totalmente estranhas- ofereceu a ele.
Marcel já estava saboreando um prato com bacon e ovos, enquanto Robert parecia trazer um prato contendo o mesmo para o garoto. Apesar de não estar com muita fome, ou com vontade de comer qualquer coisa depois de assistir ao noticiário, Willian não recusou o café da manhã preparado pelo homem e se forçou comer ao menos a metade.
Depois que o sabor o invadiu, ele soube que não teria nenhuma dificuldade em terminar o prato. Como Heloísa dissera no seu primeiro dia no Brasil quando já estava quase desmaiando, mas ainda se recusava a comer: "comer e coçar é só começar". Talvez uma parte de si estivesse morrendo de saudade do café da manhã americano também.
Marcel não abriu a boca em momento algum enquanto estavam ambos na mesa. Na verdade, Simons se quer trocara mais de dez palavras durante todo o trajeto do aeroporto em Washington até o apartamento em alguma cidadezinha do interior. No carro, Willian não se importou realmente com seu silêncio, afinal sua mente já estava em um turbilhão de pensamentos sobre o reencontro com a família Blake, que a falta de conversa era uma benção. Mas agora, quando até Robert e a mulher de pele dourada –que ele descobrira se chamar Cassandra- haviam saído da cozinha, o silêncio era incrivelmente ensurdecedor. Se é que isso era possível.
Obviamente, sua mente não o poupou de diversas teorias que poderiam explicar aquele silêncio. A principal e, talvez, a mais palpável era remorso pelas ações do garoto, porém Marcel não parecia ser do tipo que guardava rancor, ou que se recusaria a falar com ele por causa disso. Não, alguma coisa mais séria havia acontecido. E Willian sentia que não era por conta de Eliza também.
Mas não importava o motivo, afinal não era da sua conta.
Felizmente, logo Simons terminou de comer, se levantou, levou o prato até a pia e se retirou da cozinha, deixando o menino sozinho de vez. Assim que ele já estava se levantando da mesa, Mirabela adentrou o cômodo, um gato preto e branco em seu colo, a cauda balançando levemente de um lado para o outro.
-Ei, como você está? –Willian quase deu um pulo ao ouvir a voz da garota quebrando o silêncio. Ele não sabia se a surpresa era pelo barulho em si ou pelo fato de ela ter ido até lá falar com ele- Ok, talvez essa seja uma pergunta meio besta, considerando tudo que está acontecendo... acho que ninguém nessa casa, exceto o Sr. Gato –Ela fez carinho nas orelhas do bichano, que continuou se esfregando em sua mão, mesmo depois dela já ter desviado o olhar novamente- tem uma resposta positiva para essa pergunta, não é?
-É... me desculpa Bella, eu sei que se eu tivesse sido menos ingênuo e egoísta, nada disso teria acontecido e sua família poderia responder positivamente à essa pergunta. Eu...
-Will, eu não vim até aqui para te acusar de nada. Sinceramente, acho que sua auto repreensão já está sendo o suficiente. Na verdade, eu vim dizer que eu te perdoo e que não acho que tenha sido sua culpa. –Mirabela dá uma leve fungada, que talvez tenha sido uma tentativa de risada, antes de continuar- Acho que eu teria feito a mesma coisa no seu lugar, talvez até de uma maneira ainda mais imprudente.
-Obrigada, Bella.
Ele não se importou que sua voz tivesse falhado, não quando a surpresa pela afirmação da garota ainda pairava em sua mente.
-Porém acredito que já tenha percebido que meu irmão não o perdoará tão cedo, não é?
Willian não pôde conter o desânimo que o invadiu com a afirmação. Fora como um balde de água fria na sua animação e surpresa pelo apoio da garota. Já estava claro em sua mente que Jonathan certamente nunca iria perdoá-lo, mas com Mirabela verbalizando a frase, tornava-a algo mais palpável e dolorosa.
-Sim, eu sei.
-Ei, eu falei "não tão cedo" e não "nunca". Se anime, vamos. Eu vou te ajudar com isso, prometo. Odeio ver meu irmão triste, assim como você. Além do mais, agora pelo jeito iremos compartilhar a mesma casa por algum tempo então...
Mirabela continuou a falar sem parar, mas o menino simplesmente parou de prestar atenção, a mente vagando por alguns instantes. Maldita mania que o havia dominado no último verão. Tentando focar em um único pensamento –o qual ainda não era a fala da garota à sua frente-, Willian se perguntou como Mirabela poderia parecer tão sorridente naquele momento, quando minutos antes ele a vira chorando no chão, abraçada ao irmão.
Talvez ele não fosse o único que preferia esconder os sentimentos a preocupar os outros.
E, talvez, fosse a hora de ambos se unirem e superarem o que os perturbava, juntos. Willian sentia que não faltava muito para transbordar. E sabia que Mirabela não deveria estar muito diferente dele.
VOCÊ ESTÁ LENDO
(sobre)viva
Mystery / Thriller🏅VENCEDOR DOS PREMIOS WATTYS 2021 EM SUSPENSE 🥇lugar em suspense no Concurso Relâmpago de Natal 🥉Lugar na segunda edição do concurso Mestres Pokémon- terror/mistério. 🏅Vencedor da categoria "melhor sinopse" no concurso Pena de Ouro, primeira edi...