(sobre)viva

Capítulo 20

No dia seguinte Robert acordou com a notícia de que Cassandra fugira de casa no meio da madrugada, enquanto seus irmãos dormiam. Todos estavam agitados com o que acontecera, sua mãe, que fora até a casa vizinha, dissera que Cassian chorara durante todo o tempo que ela estivera lá. Mas o homem sabia que aquele drama não passava de um teatro e, ao que parecia, com um ator muito convincente.

Era quase impossível disfarçar sua felicidade por Cassandra ter fugido e buscado ajuda, como ele dissera que fizesse, ainda na tarde anterior. Mas pelo próprio bem, Robert se obrigou a manter a expressão impassível e neutra.

Mirabela e Jonathan quase não paravam dentro de casa, saindo ainda cedo para ir brincar com Willian Turner, voltando, sujos de barro e cheirando aos animais da fazenda, com os quais eles passavam a tarde inteira "brincando", apenas para jantar. Robert ficava feliz em ver os filhos se divertirem ao ar livre, ao invés de ficarem trancados dentro de casa como dois zumbis em frente à televisão e aos cadernos. Sentia falta de morar na fazenda, mas sabia que, por melhor que fosse a ideia de voltar a viver ali, a opção que tinha era permanecer na cidade, perto do colégio das crianças, de seu trabalho e, claro, um favor à paciência de Eliza (que sofria muito com a presença de sua sogra).

Aproveitando o sumiço que os gêmeos davam durante o dia, Robert descia para seu laboratório. Uma parte dele queria muito dar continuidade a sua pesquisa e, mais do que nunca, achar uma cura ou uma vacina para seu vírus. Mas uma outra parte dele dizia que era mais seguro parar antes de começar, principalmente com pessoas como Cassian à espreita. Infelizmente, ou felizmente (ele não saberia dizer), a primeira parte prevalecia.

Naquele dia ele demorara mais que o normal para finalmente dar continuidade às pesquisas, pois sua mãe estava atordoada com o sumiço da vizinha e não parava de fazer comida se quer um segundo para "consolar" Cassian e Gideon, sendo que Robert era obrigado a ajudar na confecção.

Finalmente livre das garras da mãe e de sua cozinha, Robert não perdeu tempo em se dirigir ao laboratório. Já eram umas três da tarde e as crianças brincavam de apostar corrida. Ao menos duas delas estavam à vista. Onde estaria Mirabela? Sabia que a garota insistia em negar que gostava de brincar com os garotos, e sabia também que era apenas drama, pois era evidente de que ela se divertia muito. Talvez ela tivesse apenas brigado com Jonathan, algo que ocorria com enorme frequência entre os dois, e estivesse em algum lugar emburrada.

Sabendo que não adiantaria ir atrás de Mirabela, que era muito boa em se esconder quando queria, Robert continuou em seu caminho. Estava abrindo a porta que dava para o porão quando ouviu sua filha pedindo água à Helen Turner. Não pôde evitar ficar aliviado por saber que a filha estava bem e, sem se demorar, rumou rápida e silenciosamente para o laboratório.

Ao fechar o alçapão, podia jurar ter ouvido o som de passos acima, mas poderia ser apenas a senhora Turner procurando alguma coisa no porão, ou sua própria imaginação, tentando lhe pregar peças. Ignorando o som, ele abriu a porta de ferro e adentrou o lugar, sentindo o ar gélido lhe abraçar e, mesmo que possa parecer estranho, lhe acalmar.

Mas não durou muito tempo até que ele fosse interrompido por um cheiro pútrido, vindo da outra extremidade da sala: o cadáver de Gabriela. Faziam dois dias que ele estava ali. Robert ainda estava tentando pensar em uma maneira de tirar o corpo sem levantar suspeitas em todos da casa. Mas não poderia se demorar muito, pois cada dia o corpo se decompunha mais rapidamente. Além disso, o cadáver já não lhe tinha mais utilidade e, sempre que olhava em sua direção, um calafrio lhe percorria a coluna.

No dia seguinte daria um jeito de tirar Gabriela de lá e fazer um enterro, o mais digno que poderia oferecer, para honrar a alma da menininha que fora colocada no meio daquilo tudo por um tio, certamente, louco. Robert só esperava que a mãe da garota não acabasse tento o mesmo destino.