Tudo está escuro e silencioso quando Mirabela retoma a consciência e enfim abre os olhos. Sua cabeça parece prestes a explodir e a menina só consegue pensar em como uma Aspirina seria uma benção no momento. Suas costas também estão ligeiramente doloridas, provavelmente por estar sentada no chão e escorada na parede enquanto dormia. Mas por que ela estava ali? O que tinha acontecido?
De repente a garota vê um vulto passando ali perto e tenta se levantar para ir até ele, mas suas pernas não a sustentam e Mirabela desaba no chão frio novamente. Contudo, o barulho chama a atenção de quem quer que seja o vulto, que se aproxima da garota.
-Mirabela? Você está acordada? –A voz conhecida sussurra próxima.
Então tudo vem à mente dela: Sunny em sua casa contando sobre sua experiência, então Gustavo chegando de forma estranha e a convidando para dar uma volta e enfim a traição. Mirabela não pensa duas vezes antes de partir para cima do menino que sussurrara preocupado.
O pulso fechado vai de encontro com a mandíbula de Gustavo, que grita surpreso e cai no chão com o choque. Mirabela fica surpresa de ver como as táticas aprendidas nos livros de fantasia deram certo, ela mal sentia uma ardência na mão –ou talvez fosse apenas a adrenalina que a dominara.
Novamente ela não para raciocinar e se deixa levar pela raiva e pelo sentimento de traição que crescia nela. Mirabela pega impulso para atacar o menino novamente, antes que ele se levante, mas Gustavo já estava preparado e se defende. Os dois rolam pela sala algumas vezes, a menina tentando desferir golpes que eram facilmente frustrados pelo garoto.
-Seu traidor – Mirabela fala entredentes, mechas de cabelo entrando na sua boca- Eu realmente acreditei que fosse melhor que seu pai, mas não passa de um verme como ele. –Ela investe novamente e agora consegue acertar seu nariz, que começa a sangrar.
-Mirabela, por favor, me deixa explicar- Gustavo fala de maneira fanha enquanto tenta sair do alcance da garota e estancar o sangramento do nariz- Eu não queria que isso estivesse acontecendo. Por favor, faz silêncio, não podemos chamar atenção.
O olhar alarmado e o sangue escorrendo de Gustavo faz com que a racionalidade volte à mente da menina. Mirabela respira fundo várias vezes antes de erguer novamente a cabeça para encarar o garoto.
-Você tem dois minutos para me explicar o que está acontecendo, onde estou e porque não deveria te estrangular nesse instante.
-Se tivermos todo esse tempo já será uma dádiva.
-Do que está falando?
-Estamos no centro de pesquisas do meu pai. Logo alguém vai aparecer para ver se você já acordou.
-Há quanto tempo estamos aqui?
-Aqui no Centro fazem apenas algumas horas, mas desde que saímos da sua casa faz quase um dia. Sabe, não estamos mais no seu país.
-O que você quer dizer?
-Exatamente o que parece: estamos no Brasil, meu pai fez todo um plano mirabolante para nos trazer para cá.
-E você ajudou.
-Não é como se eu tivesse uma escolha melhor.
-Essa explicação não me convence de não te estrangular. Você sabe o que está em jogo?
-Mirabela, era isso ou permitir que eles te tirassem da sua família a força, provavelmente machucando ou até matando quem você ama! –Apesar de estarem sussurrando, Gustavo quase gritou a frase, o desespero nítido em sua voz.
-E por que você se importaria se alguém que eu amo se machucasse? E como eu sei que você não está dizendo isso para se safar? -O ódio crescia novamente dentro dela, as faíscas começando a se tornarem fios de chamas.
-Seja racional Mirabela... –Gustavo se interrompe quando o som de passos soa próximo da sala onde estão- Escuta, preciso ir agora, mas assim que eu conseguir venho atrás de você e daremos um jeito de sair daqui, ok? –Ela o encara com desconfiança- Não é como se eu gostasse de ficar perto do meu pai.
Gustavo se levanta cuidadosamente sem fazer ruídos e se direciona para a parte mais escura da sala, onde a visão de Mirabela não conseguia distinguir absolutamente nenhuma forma, apenas o breu. Ela então escuta uma porta se fechando e sabe que Gustavo a deixou sozinha ali.
Enquanto ouvia os passos ecoando cada vez mais altos e próximos, Mirabela conseguia apenas pensar em como estava semelhante a uma corça perdida cercada de lobos famintos. E eles não teriam misericórdia.
Mas se não havia ninguém para salvá-la, estava na hora de ela mesma se tornar o predador. E ela também não estava afim de misericórdia. Não quando aquelas pessoas ali tinham o sangue de sua mãe nas mãos. O sangue de Gabriela, filha da Cassandra, e que provavelmente adorariam o seu também.
Mirabela não pensou duas vezes antes de se levantar e caminhar em direção ao breu. Ela sabia que o que haviam dado a ela para mantê-la adormecida não tinha apenas essa finalidade. Não, Mirabela sabia que aquela era a fórmula e sabia que estava sendo testada. Sabia que daria certo, sentia em seu sangue que corria velozmente pelas veias, fazendo zunir em seu ouvido como uma canção de guerra.
Que fosse guerra, porque ela estava mais do que pronta para a batalha. A princesa iria salvar a si mesma, libertar seu ódio sobre quem a impedisse e não se importaria em ferir quem estivesse no caminho.
Quando os passos cessaram e a maçaneta girou, quando a luz finalmente atingiu o ambiente, Mirabela não se deixou abalar pela cegueira momentânea e partiu para o ataque. O golpe inicial pegou a todos de surpresa, nenhum dos capangas de Diego esperando encontra-la acordada, quem dirá pronta para brigar.
Mirabela não se importou que fossem três contra uma. Ela não era mais uma corça assustada esperando pacientemente para ser devorada pelos lobos. Ela era uma cobra e estava pronta para dar o bote.
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(sobre)viva
Mystery / Thriller🏅VENCEDOR DOS PREMIOS WATTYS 2021 EM SUSPENSE 🥇lugar em suspense no Concurso Relâmpago de Natal 🥉Lugar na segunda edição do concurso Mestres Pokémon- terror/mistério. 🏅Vencedor da categoria "melhor sinopse" no concurso Pena de Ouro, primeira edi...