Capítulo 30

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Willian estava estirado no sofá da sala de estar assistindo televisão e esperando ansiosamente o telefone tocar. A cada dois minutos –quando chegava a isso- o garoto voltava seu olhar na direção no objeto, mesmo sabendo que certamente ouviria quando esse tocasse.

Quando Diego ligara pela primeira vez querendo propor um acordo para que Willian pudesse se reencontrar com os pais, fora Eliza quem atendera e, como as ligações tiveram que se tornar de certa forma frequentes, como parte do acordo, ambos tinham combinado um horário e um dia da semana para a ligação, quando Willian seria o único que atenderia ao telefone.

Agora então, o menino fingia prestar atenção na TV enquanto todos na casa estavam se ocupando com outras coisas –Mirabela arrumando as coisas para o primeiro dia de aula, Jonathan tomando banho e Eliza fazendo a janta. Sabia que em breve, caso o telefone não tocasse, a senhora Blake o mandaria para o quarto arrumar suas coisas para o próximo dia, assim como Mirabela.

Mas isso não foi preciso, pois o telefone começou a tocar incessantemente.

Willian saltou do sofá branco em que estava jogado e aumentou o volume da TV com uma mão –por precaução para evitar que a conversa fosse ouvida- enquanto a outra já se dirigia para o telefone.

-Alô? Lobo, é você?

-Olá, Ovelha –Ah ele odiava esses codinomes, não só por se chamar Ovelha, mas também por medo da analogia que poderia ser feita com Lobo e Ovelha, fazendo com que suas pernas tremessem- Tudo pronto para o dia da Festa?

- Tudo preparado, Lobo.

O Dia da Festa. Dia em que finalmente seu primeiro plano seria posto em ação e quando a primeira "batalha" seria travada naquela guerra. Quando tudo poderia dar errado: ou para ele, ou para os Blake. Caso seja a segunda opção, seu plano terá sido bem-sucedido. Willian não gostava de pensar se acontecesse a primeira opção.

Mas com a ajuda de Diego, era impossível dar errado.

Amanhã ele encontraria seus pais novamente. Ou, pelo menos, era o início de seu reencontro.

Não podia negar a consciência pesada por estar fazendo isso, ou ajudando no que aconteceria. Mas ele tinha um objetivo, e ninguém ficaria entre ele e sua família.

Ouvindo um pigarrear no outro lado da linha, Willian finalmente se dá conta de ter se perdido em seus pensamentos e fugido da realidade por alguns instantes.

-Desculpa, eu... eu não entendi o que me pediu, Lobo.

-Ora, preste atenção, Ovelha! Isso é muito importante e delicado para que sua desatenção estrague tudo, criança. –Willian segurou o fôlego, as mãos tremendo ao segurarem o telefone, os nós dos dedos quase brancos. O menino pareceu ouvir um suspiro antes do homem voltar a falar, agora com um tom mais calmo- Repetirei, mas só desta vez...

Então ele retomou o plano, se detendo nos ajustes e detalhes importantes que poderiam fazer toda a diferença. Um plano quase perfeito, ao menos era o que parecia ao garoto. Tudo certo para desestruturar a família Blake. Tudo certo para ganharem espaço naquela disputa. Tudo certo em todos os fatores essenciais. Mas algo dentro do garoto parecia estar errado. Parecia dizer que estava tudo errado. 

Mas agora era tarde demais para ouvir aquela parte de si. Tarde demais para voltar atrás. Tarde demais para se quer reconsiderar.

Diego não aceitava covardes e, caso Willian desse para trás, seriam seus pais que pagariam o preço. E ele não deixaria que isso acontecesse. 

-Entendido?

-Perfeitamente, Lobo.

-Agora tenho outra coisa a lhe pedir, Ovelha. –Willian nem se importou em dizer que ele poderia falar, afinal não tinha escolha senão responder ao que lhe fosse pedido. –Eu quero saber do meu filho, Gustavo. Soube que ele esteve por aí hoje.

Ah então era isso. Gustavo -ou guga, como o garoto gostava de ser chamado-, o menino que Mirabela parecia estar a fim e que Jonathan parecia fulminar com o olhar durante toda a tarde, era filho de Diego. Willian ficou surpreso pelo Lobo ter confiado nele o suficiente para lhe contar isso. Ou talvez nem tenha percebido no que acabara de revelar.

Antes de responder, o menino aumentou mais dois números o volume da TV e baixou a voz, para que ninguém identificasse suas próximas palavras.

-Gustavo é seu filho? –Ele ouviu um xingamento do outro lado, indicando que fora a segunda opção que ocorrera.

-Sim, ele é –Willian sentiu a raiva na afirmação- E então? O que tem a me relatar? Considere isso como um bônus.

-Na verdade a única coisa que notei é que ele parecia querer falar urgentemente algo para os irmãos. Inclusive os três perderam o filme que fomos assistir por terem ficado conversando do lado de fora do cinema.

-Algo a mais?

-Não, Lobo, apenas isso.

-Hum, está bem, já foi de grande ajuda, Ovelha. –Willian sentiu como se pudesse ver aquela mente maquiavélica trabalhando para juntar algumas peças de um quebra-cabeça desconhecido. Talvez não devesse ter dito tudo aquilo.

De repente o telefone fica mudo e alguns PI PI tocam, indicando que Diego desligara a chamada e o deixara sozinho com seus pensamentos e qualquer que fosse o programa que passava na televisão. O Lobo nunca se despedia. Não que Willian se importasse.

Rapidamente ele largou o telefone e desligou a TV, tentando agir o mais normal possível ao se dirigir para a cozinha, onde um cheiro maravilhoso de comida o invadiu. Os dons culinários de Eliza vinham melhorando consideravelmente nas últimas semanas. Mas talvez Willian tivesse uma pequena parcela de créditos nessa melhora, afinal ele ensinara várias receitas e truques de sua mãe, como uma forma de diminuir aquele peso da culpa. Infelizmente, ele só aumentara.

-Will, querido, pode chamar Jhon e Bella, por favor? Diga para se apressarem pois já está tudo pronto.

-Claro, Dona Eliza –Ele lançou um sorriso simpático à mulher, mesmo que esse fosse totalmente falso e carregado de culpa- fez a receita de mamãe?

-Sim, mas acho que não ficou exatamente igual. –Ela deu uma leve risada, mas logo o brilho de seus olhos se apagou- Está tudo bem, Will?

-Está! Está tudo bem, dona Eliza.

Mas não estava. Estava tudo errado, gritava aquela parte dentro de si. Estava tudo completamente errado. Mas o sorriso permaneceu em seu rosto ao se dirigir ao quarto de Mirabela para chama-la para jantar. Assim como permaneceu durante todo o resto da refeição e até um pouco depois disso.

Apenas a escuridão completa do quarto e o ruído ritmado da respiração de Jonathan foram capazes de tirar aquele sorriso e dar lugar às lágrimas, que caíram de forma rápida e constante, encharcando o travesseio.

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