Capítulo 6

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O sábado finalmente chegou, e a família saiu assim que amanheceu. O dia estava agradável, mas segundo a previsão, choveria a tarde inteira. Mirabela conseguia ver o quanto a mãe estava receosa em visitar antes do previsto a família Turner, mas sentia que Eliza também possuía uma certa curiosidade rondando-a, então permitiu que os filhos a convencesse a ir ao interior mais cedo, ao alegarem a importância de descobrirem algo o quanto antes.

O percurso levou a habitual meia hora para ser completo e logo estavam os três em frente à casa que uma vez pertenceu aos avós de Mirabela, mas agora era cuidada pela família de caseiros, os Turners.

O primeiro sinal de que algo não estava certo, foi o fato de ninguém ter ido abrir o portão para eles entrarem, mesmo Eliza tendo avisado de sua visita ainda no dia anterior. Sem chave para abrir o portão e passados 20 minutos sem ninguém dar aparente sinal de estar em casa, restou a eles pular a cerca que, felizmente, não era muito alta.

Mesmo quando se aproximavam da casa, o silêncio continuava a reinar. As luzes estavam todas apagadas e o fato de que o céu estava começando a ficar escuro, por causa das nuvens de chuva que iam aumentando a cada minuto, davam ao lugar um ar de abandono e tristeza. Um arrepio percorreu o corpo da garota.

Parecendo completar o pensamento de Mirabela, o silêncio foi quebrado pelo som de alguém chorando, o que fez com que todos saíssem correndo em direção a casa sem pensar duas vezes. Ao chegarem mais perto, o som do choro cessou e passou a ser o de uma respiração entrecortada e ofegante, com certeza, de alguém com medo. A mãe dos gêmeos decidiu chamar pela pessoa que chorava, fazendo Mirabela segurar-se para não dizer que era extremamente idiota e arriscado fazer isso.

Houveram alguns minutos de espera até que foi possível ouvir o ruído de passos vindo de dentro da casa e, mais um tempo depois, a porta se abriu devagar para apresentar um rosto familiar a eles, mas totalmente pálido e com roupas cobertas de sangue. Seus cabelos também estavam desarrumados e sujos de terra. Mas foi a falta do sorriso e do brilho característico em seu olhar, substituído por medo puro e uma expressão quase vazia, que realmente assustaram Mirabela.

-Tia Liz? –A voz saiu fraca, mas mesmo assim era possível notar que uma certa alegria, ou talvez tenha sido alívio, o inundou, apenas por ver um rosto familiar. William Turner escancarou a porta e se jogou nos braços de Eliza, esquecendo-se totalmente da educação ou qualquer etiqueta ensinada pela própria mãe, que a menina sabia ser muito rígida. A forma como o garoto começou a chorar e a soluçar fez o coração de Mirabela doer no peito, sentimento um tanto raro para ela. Vendo a cena, a menina não conseguiu pensar em outra coisa senão abraçá-los também.

Passados alguns minutos o menino se acalmou e eles se desvencilharam do abraço. Com isso, Willian começou a narrar os acontecimentos das últimas horas, tentando ao máximo manter a calma, mas com certa dificuldade.

-Não sei nem como falar isso, mas prometo tentar ser breve.

-Vamos entrar no carro antes que chova e, então, você pode nos contar e demorar o quanto quiser, ok? –Interrompeu Eliza, que começava a temer o mesmo que Mirabela, aparentemente, achando mais seguro voltarem o quanto antes para casa.

Chegando ao carro eles não perderam tempo em sair de lá, pois, mesmo William não tendo contado o que acontecera, era óbvio que não tinha mais ninguém na casa, ou ninguém que eles gostariam de encontrar. Sendo assim, o menino aproveitou os 30 minutos de viagem para falar.

-Fazia cerca de umas duas horas que você tinha ligado para meus pais, ontem de noite, quando nossa luz e conexão de celular simplesmente pararam de funcionar. Claro, não sei se tem algo a ver, mas eu achei estranho e quem sabe seja importante no que aconteceu depois –Mirabela achava muito irritante a facilidade que o garoto tinha para mudar de assunto sem querer e não parar de falar, mas ele ganhava um desconto por ter um sotaque de interior misturado com um sotaque londrino (consequência dos anos que a família Turner morou lá antes de se mudarem para Washington), que fazia de sua fala algo delicioso de se ouvir- Então, foi de madrugada que o terror realmente aconteceu: eu tava fazendo as lições de casa, porque durante o dia tinha que ajudar o pai a colher, daí não deu tempo e eu não queria que minha mãe soubesse que eu ainda não tinha feito, vocês sabem como ela é... –Mirabela cutucou o braço dele para que voltasse ao assunto original –Como eu ia dizendo, eu estava acordado quando ouvi um grito vindo do quarto dos meus pais. Tentei ir devagar e sem fazer barulho, apesar de ser um pouco desastrado, porque poderia ser qualquer coisa e, certamente, não era boa. Quando cheguei na cozinha ouvi vários passos e comentários, que com certeza não eram dos meus pais. Quando notei isso, apenas saí correndo de casa e fui me esconder nos estábulos velhos que ficavam atrás de umas árvores. Estava tudo podre e eu estava morrendo de medo de aparecer uma cobra ou um escorpião, que até tinha esquecido dos homens que estavam lá em casa. –Os estábulos podres explicavam o cabelo e as roupas sujas de terra, mas porquê do sangue? – Depois de uma hora eu acho, porque eu já estava quase dormindo no meio das madeiras, eu ouvi o barulho de umas motos correndo e então tudo ficou no maior silêncio. Eu esperei mais um tempo para criar coragem para voltar, com medo que ainda tivesse alguém lá só esperando para me emboscar.

"Quando eu entrei em casa já era quase o amanhecer e dava de ouvir uma agulha caindo de tanto silêncio. A primeira coisa que eu fiz, foi ir no quarto dos meus pais. Quando abri a porta quase desmaiei: o chão e a cama estavam puro sangue e não tinha ninguém lá, nem meus pais nem ninguém. Claro que eu me joguei na cama e comecei a chorar, nem pensei que eu ia me sujar todo. –Willian agora chorava controladamente e olhava para as roupas cobertas de terra e sangue seco- Bem, acho que não me esqueci de nada. Claro que não faço ideia do que aconteceu ou porque aconteceu, mas não me importo muito com essas coisas quando penso que não sei onde meus pais estão, ou se estão bem".

Com isso ele finalizou sua narração e o carro ficou em silêncio, as vezes sendo cortado por um soluço que o menino não conseguia segurar.

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