Capítulo 2

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Arthur Picoli III sentava-se no luxuoso e macio banco de trás da limusine cinza-metálica e passava meticulosamente os olhos pelo relatório sobre a mais recente Picoli House que estava sendo construída em Saint Croix. Era um homem que captava uma confusão de detalhes dispersos e alinhava-os numa perfeita e sistemática ordem. O caos não passava de uma forma de ordem à espera de ser destrinçada com lógica. Arthur era um homem muito lógico. O ponto A levava invariavelmente ao ponto B, e dali ao C. Por mais confuso que fosse o labirinto, com paciência e lógica, encontrava-se a rota.

Devido ao talento inerente para fazer apenas isso, Arthur, aos 35 anos, já tinha o controle quase completo do império Picoli. Herdara a riqueza e, em consequência, raras vezes pensava nela. Mas conquistara por mérito essa posição e a valorizava. A qualidade era uma tradição Picoli. Nada além do mais excelente servia para qualquer Picoli House, desde a roupa de cama, mesa e banho à argamassa nas fundações.

O relatório que recebera sobre Carla Diaz dissera-lhe que ela era a melhor.

Pondo de lado o arquivo de Saint Croix, retirou outro relatório da fina maleta junto aos pés. Um único anel com a superfície oval, de ouro e espiralado, brilhava foscamente em sua mão. Carla Diaz, divagou, abrindo a pasta...

Vinte e oito anos, formada na Sorbonne, com certificado de chef cordon bleu. Pai, Carlos Diaz, respeitado membro do Parlamento. Mãe, Mara Diaz, ex-estrela do cinema. Pais amigavelmente divorciados há 23 anos. Carla Diaz passara os anos de formação entre Brasil e Paris antes de a mãe casar-se de novo com um magnata do hardware americano, com sede na Filadélfia. Depois disso, retornara a Paris para concluir seus estudos e atualmente mantinha apartamentos lá, na Filadélfia e no Brasil. A mãe desde então se casara pela terceira vez, agora com um barão do papel, e o pai se separara da segunda mulher, uma bem-sucedida advogada.

Toda a sondagem de Arthur resultara na mesma resposta básica. Carla Diaz era a melhor chef de sobremesa dos dois lados do Atlântico. Também era uma esplêndida mestra da cozinha ao redor, com um instintivo conhecimento de qualidade, um tino para a criatividade e a capacidade de improvisar numa crise. Por outro lado, tinha fama de ser ditatorial, temperamental e rudemente franca. Esses defeitos, contudo, não a haviam afastado dos chefes de Estado, da aristocracia nem das celebridades.

Talvez insistisse em ter Chopin ao fundo enquanto cozinhava, ou se recusasse categoricamente até mesmo a trabalhar se a iluminação não fosse do seu agrado, mas só a sua musse bastava para fazer um homem forte implorar para que ela satisfizesse o mais voluntarioso desejo.

Arthur não era homem de implorar nada... mas queria Carla Diaz na Picoli House. Nunca duvidara de que conseguiria convencê-la a fazer exatamente o que ele tinha em mente.

Uma mulher formidável, imaginou, respeitando isso. Ele não tinha paciência com vontades fracas nem com miolos retardados — sobretudo em pessoas que trabalhavam para ele. Não muitas mulheres haviam ascendido à posição, nem à reputação, que Carla Diaz mantinha. Por tradição, as mulheres podiam ser cozinheiras, mas os homens, também por tradição, eram os chefs de cozinha.

Imaginava-a de cintura grossa, em consequência de experimentar suas criações. Mãos fortes, pensava ociosamente. Na certa tinha a pele meio oleosa devido às horas que passava trancada em uma cozinha. Uma mulher absurda, ele tinha certeza, com uma visão inflexível do que e por que era comestível. Organizada, lógica e culta, talvez não fosse bela, devido à preocupação com a comida em vez de com a moda. Arthur imaginava que os dois iriam negociar muito bem um com o outro. Com uma conferida no relógio de pulso, notou satisfeito que chegara na hora certa para a reunião.

A limusine encostou e parou junto à calçada.

— Não vou levar mais que uma hora — ele disse ao motorista ao saltar.

— Sim, senhor.

O motorista checou as horas no relógio de pulso. Quando o Sr. Picoli dizia uma hora, seria uma hora.

Arthur ergueu os olhos para o quarto andar ao atravessar o bem conservado prédio antigo. Notou que as janelas estavam abertas. O ar quente primaveril inundava-o, enquanto a música — uma melodia que não conseguiu captar muito bem acima do barulho do tráfego — saía flutuante. Ao entrar, percebeu que o único elevador não funcionava. Então subiu os quatro lances de escada.

Ele bateu e a porta foi aberta por uma mulher pequena, esbelta, de rosto estonteante, usando camiseta e calça jeans preta. A empregada de saída para um dia de folga? — ele se perguntou ociosamente. Não parecia suficientemente forte para esfregar o chão. E se fosse sair, ia fazê-lo sem sapatos.

Após um breve e objetivo olhar, sentiu-se irresistivelmente atraído de volta ao rosto da moça. Clássico, limpo e inegavelmente sensual. Só a boca já agitaria o sangue de qualquer homem. Ele ignorou o que considerou um automático impulso sexual.

— Arthur Picoli para ver a Srta. Diaz.

Carla ergueu a sobrancelha esquerda — sinal de surpresa. Depois curvou levemente os lábios — sinal de prazer.

Gorducho não era, ela observou. Forte, alto e musculoso — academias e crossfit. Era um homem obviamente mais dado a esportes do que a prolongar-se em almoços executivos. Careca, não. Tinha cabelos volumosos e loiros. Bem penteados, com leves ondas naturais que se somavam à atração do rosto frio e sensual. Maçãs do rosto salientes, firme linha de queixo. Ela gostou das primeiras, que revelavam força, e da última, apenas levemente fendida, que transmitia charme. As sobrancelhas pairavam quase direto acima dos olhos claros. Embora a boca fosse um tanto alongada, exibia uma bela forma, o nariz muito reto — do tipo que ela sempre julgara feito para dar ar de superioridade. Talvez ela houvesse acertado com os acessórios — os sapatos italianos, e assim por diante — mas, admitiu Carla, errara totalmente a aparência do sr. Picoli.

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora