Haviam-se passado horas ou minutos? Carla jazia deitada ao luar filtrado e tentava orientar-se. Jamais se sentira exatamente assim. Saciada, eufórica, exausta. Um dia ela julgara impossível sentir tudo isso ao mesmo tempo.
Sentia os cabelos dele em seu ombro, o sussurro da respiração na face. Os cheiros dos dois se misturavam agora, de modo que eram apenas um. A música parara, mas ela ainda julgava ouvir o eco. O corpo dele apertava-a, mas o peso era um prazer. Ela sabia, sem esforço, que podia abraçá-lo e ficar assim pelo resto da vida. E assim, em meio à névoa de prazer, veio o primeiro despertar do medo.
Oh, meu Deus, até onde ela fora em tão curto tempo? Sempre tivera tanta certeza de que suas emoções eram perfeitamente seguras. Não era a primeira vez que se via a sós com um homem, mas tinha demasiada consciência de que era a primeira que fazia amor no verdadeiro sentido da palavra.
Erro. Forçou a palavra a entrar na cabeça, enquanto o coração tentava bloqueá-la. Tinha de pensar, tinha de ser prática. Não vira ela mesma o que as emoções e os sonhos descontrolados haviam feito com duas pessoas inteligentes? Seus pais haviam passado anos trocando de parceiros, em busca de... o quê?
Daquilo, disse-lhe o coração, mas de novo ela o bloqueou. Sabia que não devia buscar algo em cuja existência não acreditava. Permanência, compromisso eram ilusões. E as ilusões não tinham lugar em sua vida.
Fechando os olhos por um instante, esperou aquietar-se. Era uma mulher adulta, sofisticada o bastante para compreender e aceitar o mútuo desejo sem condições. Vá com calma, advertiu-se. Não finja que tudo isso é mais do que é.
Mas não resistiu a alisar os cabelos dele ao falar.
— É curioso como a pizza e o champanhe me afetam.
Erguendo a cabeça, Arthur sorriu-lhe. Nesse momento, achava que podia enfrentar o mundo todo.
— Acho que devia ser sua dieta básica. — Beijou a curva do ombro dela. — Vai ser a minha. Quer mais?
— Pizza e champanhe?
Rindo, ele enfiou o nariz no pescoço dela.
— Também.
Mudou de posição, puxando-a para seu lado. Mais um gesto de intimidade que a deixou com alguma coisa tremendo por dentro.
Estabeleça as regras, disse Carla a si mesma. Agora, antes... antes que fosse fácil demais esquecer.
— Gosto de estar com você — ela disse em voz baixa.
— E eu com você.
Ele via as sombras brincarem no teto, ouvia o barulho abafado do tráfego do lado de fora, mas continuava saturado dela.
— Agora que estivemos juntos assim, isso vai afetar nosso relacionamento de uma ou duas maneiras — ela disse.
Intrigado, ele virou a cabeça e olhou-a.
— Uma ou duas maneiras?
— Ou vai aumentar a tensão enquanto trabalhamos, ou aliviá-la. Espero que alivie.
Na escuridão, ele franziu o cenho para ela.
— O que acabou de acontecer nada tem a ver com os negócios.
— O que quer que você e eu façamos juntos irá afetar nossa relação de trabalho. — Umedecendo os lábios, ela tentou continuar da mesma forma leve. — Fazer amor com você foi... uma coisa pessoal, mas amanhã de manhã estaremos de volta como sócios. Isso pode mudar tudo. Acho que seria um erro deixar que mude o tom de nosso trato profissional.
Estava divagando? O que dizia fazia sentido? Desejava desesperadamente que ele dissesse alguma coisa, qualquer coisa.
— Acho que sabíamos que isso tinha de acontecer. Agora que aconteceu, limpou o ar.
— Limpou o ar? — Enfurecido, e para sua própria surpresa, ele se ergueu sobre um cotovelo. — Foi muito mais que isso, Carla. E nós dois sabíamos.
— Vamos manter a coisa em perspectiva. — Como fora começar tão atabalhoada? E como pudera continuar tagarelando quando só queria se enroscar junto dele e agarrar-se? — Somos adultos disponíveis atraídos um pelo outro. Nesse nível, não devemos esperar mais um do outro que o razoável. No nível profissional, temos de esperar total envolvimento.
Ele queria enfiar o nível profissional pela goela dela abaixo. Com violência. A emoção não lhe agradou, nem a súbita compreensão de que desejava envolvimento total num nível muito pessoal. Com esforço, controlou a fúria. Precisava fazer, e responder, as mesmas perguntas para si mesmo — logo. Enquanto isso, tinha de manter a cabeça fria.
— Carla, pretendo fazer amor com você muitas vezes, e quando fizer, os negócios podem ir para o inferno. — Correu a mão pelo quadril dela, sentiu o corpo reagir. Se ela queria regras, pensou furioso, ele lhe daria as suas. Suas.
— Quando estamos aqui, não há nenhum hotel ou restaurante. Somos só você e eu. Na Picoli House, seremos profissionais como você quer.
Ela não sabia se queria concordar calmamente com ele ou dar um grito de protesto. Ficou calada.
— E agora — ele continuou, puxando-a mais para perto — quero fazer amor com você de novo. Amanhã, às nove horas, retornamos aos negócios.
Ela podia ter falado então, mas ele a beijou. O amanhã se achava a horas de distância.
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Sobremesa de Carla
FanfictionUma chef refinada, mas viciada em junk food? Quanto mais Arthur Picoli conhece a extraordinária confeiteira Carla Diaz, mais fica intrigado e decidido a contratá-la. Arthur quer o melhor profissional do ramo, e Carla possui uma experiência excelente...