Começava a dar-lhe nos nervos. Não era que ela não gostasse de atenção. Mais que gostar, esperava-a como uma coisa natural em sua carreira. Não era que não gostasse de ser servida. Era uma coisa pela qual tomara gosto desde cedo, criada numa casa com criados. Mas, como sabe qualquer grande cozinheiro, tinha-se de dosar o açúcar com mão cautelosa.
Mara estendera sua estada por toda uma semana, alegando não poder deixar o Rio enquanto Carla se recuperava de um ferimento. Quanto mais a filha tentava fazer pouco de todo o incidente no braço e os pontos, mais a mãe a olhava com admiração e preocupação. Quanto mais admiração e preocupação, mais Carla se preocupava com a próxima visita à médica.
Embora não fosse típico dela, Mara pegara o hábito de ir ao escritório de Carla todo dia com xícaras de chás curativos e tigelas de sopas saudáveis — e depois rondando por perto até que tudo fosse consumido.
Nos primeiros dias, Carla achara isso um tanto carinhoso — embora chás e sopas não fizessem parte de sua dieta. Até onde lembrava, a mãe sempre fora amorosa e sem dúvida bondosa, mas nunca maternal. Só por isso, Carla tomava o chá e a sopa e engolia as queixas junto com eles. Mas à medida que continuou, e Mara consistentemente interrompia os estágios finais de seu planejamento, Carla começou a perder a paciência. Poderia ter tolerado o exagero e a maternidade de Mara, não fosse o mesmo tratamento que lhe dava a equipe da cozinha.
Não a deixavam fazer nada sozinha. Se ficava para cuidar de uma cafeteira, alguém estava junto, assumindo, insistindo em que ela se sentasse e descansasse. Todo dia, ao meio-dia em ponto, o próprio Marcos trazia-lhe uma bandeja com a especialidade do almoço no dia. Salmão escaldado, suflê de lagosta, berinjela recheada. Carla comia — porque, como a mãe, ele ficava rondando — e ela tinha visões de um cheeseburger duplo com bacon e um generoso acompanhamento de rodelas de cebola.
Portas abriam-se para ela, olhares preocupados voltavam-se em sua direção, frases conciliatórias amontoavam-se sobre ela até dar-lhe vontade de gritar. Uma vez, quando se sentia abatida a ponto de desmoronar por ter pontos no braço, e não uma doença terminal, haviam-lhe trazido mais uma xícara de chá — com um pires de biscoitos de baunilha.
Estavam matando-a com bondade.
Toda vez que pensava haver chegado ao limite, Arthur conseguia aplainar tudo de novo. Não era grosseiro com o ferimento dela, nem mesmo lhe faltava bondade, mas sem dúvida não a tratava como se fosse a estrela num leito de morte...
Ele tinha um instinto misterioso para escolher a hora certa de telefonar ou aparecer na cozinha. Estava ali, calmo quando ela precisava estar calma, dava ordens quando ela precisava receber ordens. Exigia-lhe coisas quando todos insistiam em que ela não podia levantar um dedo por si mesma. Se a aborrecia, era de uma forma inteiramente diferente, que mais testava e esticava os talentos dela do que os amaciava.
E com ele ela não tinha aquela incômoda culpa por soltar seu mau gênio. Podia gritar com ele, sabendo que não veria em seus olhos a infinita paciência que via nos de Marcos. Podia ser irracional e não recear magoar os sentimentos dele como os de sua mãe.
Sem o perceber, começara a vê-lo como um pilar de solidez e juízo num mundo de loucos. E, talvez pela primeira vez na vida, sentia uma necessidade intrínseca desse pilar.
Além dele, ela tinha seu trabalho para segurar o mau gênio e as extremidades nervosas sob algum tipo de controle. Jogou-se no trabalho. Havia longas sessões com o designer para desenhar o menu perfeito — uma elegante placa cinzenta com as palavras PICOLI HOUSE gravadas na frente — pesado papel de pergaminho cremoso dentro com suas escolhas finais em letras delicadas. Depois vinham os menus do serviço de copa de cada unidade — não tão luxuosos, talvez, mas ela providenciara para que se distinguissem por si mesmos. Conversara horas com fornecedores, pechinchando, exigindo e curtindo mais do que algum dia teria imaginado, até obter exatamente os termos que desejava.
Isso lhe dava um fulgor de sucesso — talvez não a explosão que sentia ao concluir um prato espetacular — mas um decidido fulgor. Descobrira que, de uma forma diferente, era igualmente satisfatório.
E era um imperdoável aborrecimento mandarem-na, após a conclusão de uma negociação especialmente longa e bem-sucedida, tirar uma soneca.
— Chérie. — Mara entrou deslizando no quarto de depósito quando Carla encerrava o telefonema com um açougueiro, a inevitável xícara de chá de ervas. — É hora de tirar uma folga. Você não deve se forçar tanto.
— Eu estou ótima, mamãe. — Olhando o chá, Carla sinceramente esperava que ela não se engasgasse. Queria alguma coisa gasosa e fria, de preferência carregada de cafeína. — Estou só repassando os contratos com os fornecedores. É meio complicado, e ainda tenho um ou dois telefonemas a dar.
Se ela esperava receber uma delicada insinuação de que precisava de intimidade para trabalhar, decepcionou-se.
— Complicado demais quando você já trabalhou tantas horas hoje — insistiu Mara, e sentou-se no outro lado da escrivaninha. — Você esquece que sofreu um choque.
— Um corte no braço — disse Carla, com a paciência no limite.
— Quinze pontos — lembrou-lhe a mãe, e franziu o cenho com desaprovação quando Carla estendeu a mão para pegar um cigarro. — Isso faz mal à sua saúde, Carla.
— E também a tensão nervosa — ela murmurou, e pigarreou com obstinação. — Mãe, eu tenho certeza de que Silvio está desesperadamente saudoso de você, como você dele. Não devia ficar longe de seu novo marido tanto tempo.
— Ah, sim. — Mara deu um suspiro e olhou o teto, sonhadora. — Para uma recém-casada, um dia longe do marido parece uma semana. — De repente, juntou as mãos, balançando a cabeça. — Mas meu Silvio é o mais compreensivo dos homens. Sabe que devo ficar aqui enquanto minha filha precisa de mim.
Carla abriu a boca e tornou a fechá-la. Diplomacia, lembrou a si mesma. Tato.
— Você tem sido maravilhosa — começou, meio culpada, porque era verdade. — Eu nem posso dizer como lhe agradeço o tempo todo, por todo o incômodo que você passou nesta última semana, mais ou menos. Mas meu braço está quase curado. Estou realmente ótima. Sinto uma culpa terrível por prender você aqui quando devia estar desfrutando sua lua de mel.
Com seu riso alegre e sexy, Mara acenou com a mão.
— Meu docinho, você vai aprender que uma lua de mel não é um tempo nem uma viagem, mas um estado de espírito. Não se preocupe com isso. Além do mais, acha que eu podia ir embora antes de tirarem esses pontos nojentos de seu braço?
— Mãe...
Carla sentiu a coceira no estômago e estendeu a mão para o chá, como defesa.
— Não, não. Eu não estava aqui quando a médica a tratou, mas... — nesse ponto os olhos se encheram de lágrimas os lábios tremeram — estarei a seu lado quando ela os tirar, um de cada vez.
Carla teve um quadro demasiado vívido de si mesma deitada de novo na mesa de exame, a médica de cara dura acima. Mara, frágil, de negro, estaria ao lado, enxugando os olhos com um lenço de renda. Ela não sabia se queria gritar ou apenas enfiar a cabeça entre os joelhos.
— Mãe, vai ter de me desculpar. Acabei de lembrar que tenho um encontro com Arthur no escritório dele.
Sem esperar resposta, Carla precipitou-se para fora do quarto de depósito.
Quase imediatamente os olhos de Mara secaram e ela curvou os lábios. Recostando-se na poltrona, riu com gosto. Talvez nem sempre houvesse sabido o que fazer com uma filha quando Carla era criança, mas agora... De mulher para mulher, sabia exatamente como instigá-la. E estava instigando-a para Arthur, onde não tinha dúvida de que era o lugar da voluntariosa, prática e amadíssima filha.
— À l'amour — disse, e ergueu o chá num brinde.
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Sobremesa de Carla
FanfictionUma chef refinada, mas viciada em junk food? Quanto mais Arthur Picoli conhece a extraordinária confeiteira Carla Diaz, mais fica intrigado e decidido a contratá-la. Arthur quer o melhor profissional do ramo, e Carla possui uma experiência excelente...