Capítulo 37

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A próxima coisa que ouviu foi uma discussão. Não é aí que eu entro?, pensou vagamente. Precisou de apenas um momento para reconhecer a voz de Arthur, mas a outra, feminina e seca, era estranha.

— Eu vou ficar.

— Sr. Picoli, o senhor não é parente. É contra as regras do hospital o senhor ficar enquanto tratamos da Srta. Diaz. Acredite, trata-se apenas de alguns pontos.

Alguns pontos? Carla  sentiu o estômago embrulhar-se. Não lhe agradava admitir, mas quando se tratava de agulhas — das que os médicos gostavam de enterrar na pele — era uma completa covarde. E se o olfato não estava lhe pregando peças, sabia onde se achava. O odor de antissépticos era demasiado reconhecível. Talvez se simplesmente se sentasse e saísse em silêncio ninguém notasse.

Quando se sentou, viu-se numa pequena sala, cortinada, de exame. Seu olhar caiu sobre uma bandeja com os reluzentes e aterrorizantes instrumentos do ofício.

Arthur percebeu o movimento pelo canto dos olhos e postou-se ao lado dela.

— Carla, relaxe.

Umedecendo os lábios, ela tornou a examinar a sala.

— Hospital?

— Sala de Pronto-Socorro. Vão tratar do seu braço.

Ela conseguiu dar um sorriso, mas manteve o olhar grudado na bandeja.

— Eu preferia que não.

Ao começar a virar a perna pelo lado da mesa de exame, a médica estava lá para detê-la.

— Deite-se imóvel, Srta. Diaz.

Ela olhou o rosto feminino duro e enrugado. A mulher tinha cabelos frisados cor de pêssego e óculos de aros metálicos. Carla avaliou sua própria força em comparação com ela e concluiu que não venceria.

— Eu vou para casa agora — disse simplesmente.

— Você vai ficar deitadinha aí mesmo e ter esse braço costurado. Agora fique quieta.

Bem, talvez se ela recrutasse um aliado.

— Arthur?

— Você precisa dos pontos, amor.

— Eu não quero.

— Precisa — corrigiu a médica, brusca. — Enfermeira! — Enquanto esfregava as mãos numa minúscula pia, olhou para trás. — Sr. Picoli, vai ter de esperar lá fora.

— Não. — Carla conseguiu sentar-se de novo com esforço. — Eu não conheço você — disse à mulher de bata branca à pia. — E não conheço ela — acrescentou, quando a enfermeira correu as cortinas. — Se vou ter de ficar aqui enquanto você costura meu braço com tripa de gato ou o que quer que use, quero alguém aqui que eu conheça. — Apertou com mais força a mão de Arthur. — Eu o conheço.

Deitou-se, mas manteve um aperto mortal na mão dele.

— Muito bem. — Reconhecendo uma vontade forte e um medo básico, a médica cedeu. — Basta virar a cabeça — aconselhou. — Isso não vai durar muito. Já usei metros de tripa de gato hoje.

— Arthur. — Carla inspirou fundo e olhou direto nos olhos dele. Não queria pensar no que as duas mulheres do outro lado da mesa faziam com o seu braço. — Eu tenho uma confissão a fazer. Não lido muito bem com esse tipo de coisa. — Tornou a engolir em seco quando sentiu a pressão na pele. — Preciso tomar tranquilizante para ir ao dentista.

Pelo canto do olho, ele viu a médica dar o primeiro ponto.

— Quase tivemos de fazer a mesma coisa por Marcos — disse. Correu o polegar pelos nós dos dedos dela, para acalmá-la. — Depois disto, você pode dizer a ele até que vai pôr um fogão de lenha e uma lareira na cozinha, que ele não lhe causará problema.

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora