As visões e cheiros eram bastante conhecidos, mas momentos depois ela viu uma dezena de mudanças que ia fazer. Boa iluminação, pensou, caminhando de braços dados com Carlo. Mas ia precisar de um forno de parede à altura dos olhos ali — contornado de tijolos. Um substituto para o forno elétrico, e com certeza mais ajuda na cozinha. Carla olhou em volta, à procura de cantos no teto para os alto-falantes. Nenhum. Isso também ia mudar.
— Nada mal, meu amor. — Carlo pegou uma grande faca de chef e inspecionou-a para sentir o peso e o equilíbrio. — Você já tem os principais rudimentos. É meio como ganhar um novo brinquedo de Natal e ter de montá-lo, sì?
— Hum, hum.
Aleatoriamente, ela ergueu uma frigideira. Aço inoxidável, notou, e tornou a largá-la. As panelas iam ter de ser substituídas pelas de cobre banhadas em estanho. Voltou-se e chocou-se firmemente com o peito de Arthur.
Durante uma fração de segundo, relaxou-se, apreciando a sensação de corpo contra corpo. O sofisticado perfume de Arthur, levemente reservado, agradava-lhe. Então veio a irritação por não ter percebido a presença dele bem atrás, quando achou que devia tê-la sentido.
— Meu pessoal me mantém bem informado, Srta. Diaz. Fiquei sabendo que estava aqui.
A ideia de sua presença ser denunciada talvez a houvesse aborrecido, mas Carla apenas assentiu com a cabeça.
— Este é Carlo Franconi — começou. — Um dos melhores chefs da Itália.
— O melhor chef da Itália — corrigiu Carlo, estendendo a mão. — É um prazer conhecê-lo, Sr. Picoli. Tenho muitas vezes apreciado a hospitalidade de seus hotéis. O restaurante do de Milão faz um linguini bastante passável.
— Bastante passável é um grande elogio vindo de Carlo — explicou Carla. — Ele acha que ninguém além dele sabe fazer um prato italiano.
— Eu não acho, tenho certeza — retrucou o chef, e ergueu a tampa de uma panela fumegante e cheirou. — Carla me disse que vai ser sua sócia no restaurante deste hotel. É um homem de sorte, Sr. Picoli.
Arthur baixou os olhos para Carla, fitando a mão magra e bronzeada que Carlo apoiava em seu ombro. O ciúme é uma sensação que se reconhece mesmo sem nunca tê-lo sentido antes. Ele não lhe deu muita importância, nem à causa.
— É, sou, sim. Já que está aqui, Srta. Diaz, talvez queira assinar o contrato final. Pouparia a nós dois uma reunião mais tarde.
— Tudo bem, Carlo?
— Vá, faça seu negócio. Estão preparando uma assadeira de carneiro ali... me interessa.
Sem um olhar para trás, Carlo encaminhou-se para contribuir com suas opiniões.
— Bem, ele está feliz — comentou Carla, atravessando a cozinha com Arthur.
— Na cidade a trabalho?
— Não, ele só queria me ver.
Carla respondeu com descontração e sinceridade, e isso teve o efeito de atar os músculos do estômago de Arthur. Então ela gostava de italianos bonitos e vistosos, pensou, sinistro, e pôs uma mão de proprietário no braço dela sem sequer ter consciência do gesto. Certamente isso era assunto dela. O dele era pô-la na cozinha o mais rápido possível.
Em silêncio, conduziu-a pelo saguão e ao conjunto de escritórios do hotel. Calado e eficiente. Essas foram as breves impressões que ela teve antes de entrar numa sala grande e privada que era obviamente a dele.
Predominavam as cores de osso, creme e marrons, a decoração um pouco mais moderna que a do apartamento, mas ela reconhecia a marca dele. Sem ser convidada, adiantou-se e instalou-se numa poltrona. Mal passava do meio-dia, mas lhe ocorreu que ficara em pé por quase seis horas consecutivas.
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Sobremesa de Carla
FanfictionUma chef refinada, mas viciada em junk food? Quanto mais Arthur Picoli conhece a extraordinária confeiteira Carla Diaz, mais fica intrigado e decidido a contratá-la. Arthur quer o melhor profissional do ramo, e Carla possui uma experiência excelente...