Atravessou calmamente a antessala, sentindo o tapete felpudo e passando pelas secretárias ocupadas e a área da recepção. Assim que entrou no elevador, recostou-se na parede e soltou a longa e tensa respiração que vinha prendendo. Com os nervos aos saltos, ela começou a descida.
Acabara, disse a si mesma. Enfrentara-o no escritório dele e vencera cada ponto.
Mais cedo ou mais tarde, Carla.
Ela soltou outro suspiro. Quase todo ponto, corrigiu-se. O importante agora era concentrar-se em sua cozinha e manter-se ocupada. Não contribuiria em nada se permitir pensar nele como acontecera no fim de semana.
Quando os nervos começaram a se acalmar, ela se afastou da parede e empertigou-se. Portara-se muito bem, explicara-se com muita clareza e frustrara os planos dele. Considerada no geral, fora uma manhã bem-sucedida. Apertou a mão no estômago, onde alguns músculos continuavam saltando. Droga, tudo poderia ser mais simples se não o quisesse tanto.
Quando as portas deslizaram, ela saiu e seguiu até a cozinha. Na azáfama da hora do pré-almoço, passou despercebida. Aprovava o ruído. Uma cozinha quieta para ela significava que não havia comunicação. Sem isso, não havia cooperação. Por um momento, ficou apenas ali no vão da porta observando.
Aprovava os cheiros. Era uma mistura de aromas de almoço sobre os ainda persistentes odores do café da manhã. Bacon, salsicha e café. Captou o cheiro de frango assando, carne grelhando, bolos recém-saídos do forno. Estreitando os olhos, imaginou o espaço como seria em breve. Planejado e feito sob sua ordem. Melhor, decidiu com um assentimento da cabeça.
— Srta. Diaz.
Distraída, ela ergueu o rosto, testa franzida, para um homenzarrão de avental e chapéu brancos.
— Sim?
— Sou Marcos. — Ele expandiu o peito, engrossando a voz. — Chef principal.
Ego em perigo, ela pensou, ao estender a mão.
— Como vai, Marcos. Senti sua falta quando estive aqui semana passada.
— O Sr. Picoli me instruiu para que lhe desse total cooperação durante esse... período de transição.
Maravilha, ela pensou com um gemido interno. Ressentimento na cozinha era tão difícil de lidar quanto um suflê murcho. Deixada sozinha, talvez houvesse conseguido manter os sentimentos magoados num mínimo, mas o dano já fora causado. Fez uma anotação mental para dar a Arthur sua opinião sobre o tato e a diplomacia dele.
— Bem, Marcos, eu gostaria de repassar com você as mudanças estruturais propostas, pois você conhece melhor que ninguém a rotina daqui.
— Mudanças estruturais? — ele repetiu, o rosto redondo avermelhado. O bigode acima da boca tremeu. Ela captou o brilho de um único dente de ouro. — Na minha cozinha?
Minha cozinha — Carla corrigiu mentalmente, mas sorriu.
— Tenho certeza de que vai gostar das melhorias... e do novo equipamento. Deve achar frustrante tentar criar uma coisa especial com acessórios antiquados.
— Este fogão — ele disse, indicando-o com um gesto teatral — este forno... e eu estamos aqui desde que comecei na Picoli. Não somos nenhum dos dois antiquados.
Lá se vai a cooperação, pensou Carla ironicamente. Se for tarde demais para uma amistosa transição de autoridade, teria de recorrer ao coup, o golpe.
— Vamos receber três novos — apressou-se a dizer. — Dois a gás e um elétrico. O elétrico vai ser usado exclusivamente para sobremesas e tortas. Esta bancada — continuou, dirigindo-se até lá sem olhar para trás e ver se Marcos a seguia — será retirada e os fogões que especifiquei serão embutidos numa nova bancada... como a dos açougueiros. A grelha permanece. Será construída uma ilha aqui para que haja mais área de trabalho e aproveitar o que agora é em essência espaço desperdiçado.
— Não tem nenhum espaço desperdiçado na minha cozinha.
Carla voltou-se e disparou seu olhar altivo.
— Não se trata de uma questão de debate. A criatividade será a prioridade desta cozinha, a eficiência a segunda. Vamos ter de produzir refeições de qualidade durante a reforma... difícil, mas não impossível, se cada um fizer os ajustes necessários. Enquanto isso, você e eu vamos rever o menu atual com a perspectiva de acrescentar excitação e tino ao que agora é corriqueiro.
Ela ouviu-o inspirar fortemente, mas continuou a falar antes que ele se enfurecesse.
— O Sr. Picoli me contratou para transformar este restaurante no mais excelente estabelecimento da cidade. Pretendo de verdade fazer exatamente isso. Agora eu gostaria de observar a equipe nos preparativos do almoço.
Abrindo o zíper da pasta de couro, Carla retirou um bloco de notas e uma caneta. Sem mais uma palavra, saiu andando pela movimentada cozinha.
A equipe, decidiu após alguns momentos, era bem treinada e a mais ordenada dentre as que conhecia. Crédito para Marcos. Ela viu um cozinheiro desossar habilmente uma galinha. Nada mal, concluiu. A grelha chiava, as panelas fumegavam. Erguendo uma tampa, ela despejou com a concha um pouco da sopa do dia na palma da mão. Provou-a e segurou o gosto na língua por um momento.
— Manjericão — disse simplesmente e afastou-se.
Outro cozinheiro retirava tortas de maçã de um forno. Aroma forte e saudável. Bom, ela pensou, mas qualquer avó experiente faria a mesma coisa. O que se fazia necessário era algum estilo, ou sabor, exuberante e exclusivo. As pessoas iam passar a vir àquele restaurante pelo que não podiam ter em casa. Charlottes, tortas de frutas Clafouti, flambados.
As mudanças estruturais vinham de seu lado prático, mas o menu — o menu resultava de sua criatividade, que era sempre suprema.
Ali, inspecionando a cozinha, a equipe, sentindo os cheiros e absorvendo os ruídos, Carla sentiu as primeiras ondas de excitação de verdade. Ia conseguir, ia ser bem-sucedida tanto para sua própria satisfação quanto como em resposta ao desafio de Arthur. Quando concluísse o trabalho, aquela cozinha ia ostentar sua marca. Seria inteiramente diferente de deslocar-se rapidamente de jato de um lado para outro a fim de criar um único prato memorável. Teria continuidade, estabilidade. Dali a um ano, uns cinco anos, a cozinha da Picoli House continuaria conservando seu toque e sua influência.
A ideia agradou-lhe mais do que ela esperava. Jamais pensara em continuidade, apenas no clarão de um triunfo individual. E não estaria ela por trás do palco ali? Podia estar na cozinha em Milão ou Atenas, mas os convidados no restaurante sabiam quem preparava a Charlotte Royal. Os clientes não viriam a um restaurante prevendo uma sobremesa Carla Diaz, mas uma refeição do Hotel Picoli.
Mesmo ruminando a ideia, ela descobriu que isso não tinha importância. Por que, não sabia. Por enquanto, sabia apenas da agradável excitação de planejar. Pense nisso depois, aconselhou a si mesma, ao fazer uma anotação final. Tinha meses à frente para se preocupar com as consequências, razões e riscos inesperados. Queria começar logo, mergulhar os cotovelos a fundo num projeto que ela agora, por qualquer que fosse a razão, considerava peculiarmente seu.
Deslizando a pasta embaixo do braço, saiu. Não aguentava mais esperar para começar a trabalhar nos menus.
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Sobremesa de Carla
FanfictionUma chef refinada, mas viciada em junk food? Quanto mais Arthur Picoli conhece a extraordinária confeiteira Carla Diaz, mais fica intrigado e decidido a contratá-la. Arthur quer o melhor profissional do ramo, e Carla possui uma experiência excelente...