Capítulo 20

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Desejava odiá-lo por ele perceber que ela pusera o elegante tailleur profissional para estabelecer um certo tom de distanciamento. Em vez disso, tinha de respeitá-lo por ser perceptivo o bastante para captar os mínimos detalhes. Queria odiá-lo por fazê-la desejá-lo tão terrivelmente, com apenas um olhar e algumas palavras. Parecia impossível que houvesse passado o resto do fim de semana alternando-se entre a vontade de jamais tê-lo conhecido e de que voltasse à sua casa e lhe causasse de novo aquela excitação. Ele era um problema; não tinha como negar esse fato. Para ela, os problemas eram resolvidos passo a passo. Primeiro passo, sua cozinha — ênfase no pronome possessivo.

— Dois novos fornos a gás — ele murmurou, passando os olhos pela folha. — Um forno elétrico e mais dois fogões de cada tipo.

Sem baixá-la, olhou-a por cima da borda da folha.

— Creio que expliquei a necessidade de fogões a gás e elétricos. Primeiro, os seus são antiquados. Segundo, num restaurante desse tamanho, é imperativo que haja dois fogões a gás.

— Você especificou as marcas.

— Claro, sei com o que gosto de trabalhar.

Ele apenas ergueu uma sobrancelha, imaginando que o departamento de compras ia chiar.

— Todas as panelas e vasilhas novas?

— Sem a menor dúvida.

— Talvez a gente deva fazer um bazar — resmungou Arthur ao retornar a olhá-la. Não fazia a mínima ideia do que era um sautoir nem por que ela pedia três deles. — E esta batedeira de grande resistência especificada aqui?

— Essencial. A que você tem é apenas adequada. Eu não aceito nada apenas adequado.

Ele reprimiu uma risada ao lembrar da opinião do pai sobre a palavra adequada em relação à vida amorosa.

— Você relacionou tanta coisa aqui em francês para me confundir?

— Relacionei em francês — rebateu Carla — porque francês é o correto.

Ele emitiu um ruído indefinível quando passou para a segunda folha.

— De qualquer modo, eu não tenho a menor intenção de discutir por coisas insignificantes em francês ou em inglês.

— Ótimo. Porque eu não tenho a menor intenção de trabalhar com menos que o melhor.

Ela sorriu e recostou-se. Primeiro ponto aceito.

Arthur deu uma lida superficial na segunda folha e passou à terceira.

— Você pretende arrancar as bancadas existentes, mandar embutir os fogões novos, acrescentar uma ilha e mais dois metros no espaço de bancada?

— Mais eficiente — ela explicou, a voz inalterada.

— E consumidora de tempo.

— Com pressa? Você me contratou, Arthur, não um chef de refeições ligeiras. — O riso dele levou-a a estreitar os olhos. — Minha função é organizar sua cozinha, o que significa torná-la tão eficiente e criativa quanto sei fazer. Assim que terminar a fase da remodelação, vou caprichar no seu menu.

— E para fazer o menu é necessário... — ele folheou às cinco páginas datilografadas — ...tudo isto?

— Não uso nada que não seja necessário quando se trata de trabalho. Se você não concordar — ela disse, levantando-se —, a gente pode cancelar o contrato. Empregue Kartalian — sugeriu, inflamando-se. — Terá um restaurante ostensivo, preços exorbitantes e refeições de segunda categoria.

— Preciso conhecer esse Kartalian — murmurou Arthur, levantando-se. — Vai ter tudo o que quer, Carla. — Quando um sorriso se formou nos lábios dela, ele estreitou os olhos. — E é de bom tom que entregue o que prometeu.

A cólera de Carla voltou de um salto, acentuando-lhe o dourado da íris. E vendo-a, ele desejou-a.

— Eu lhe dei minha palavra. Seu restaurante de classe média, com aquelas medíocres costelas de primeira e tortas empapadas, vai servir o melhor da haute cuisine em seis meses.

— Ou?

Então ele queria garantia, pensou Carla, e exalou um sopro.

— Ou meus serviços para o período do contrato são grátis. Isso satisfaz você?

— Completamente. — Ele estendeu a mão. — Como eu disse, você vai ter exatamente o que pediu, até o último batedor de ovos.

— É um prazer fazer negócios com você. — Carla tentou puxar a mão e viu-a presa com firmeza. — Talvez você não — ela começou —, mas eu tenho trabalho a fazer. Quer me dar licença?

— Eu quero ver você.

Ela preferiu deixar a mão passivamente na dele a ariscar uma luta que poderia perder.

— Já me viu.

— Hoje à noite.

— Lamento. — Ela sorriu mais uma vez, embora começasse a ranger os dentes. — Tenho um compromisso.

Sentiu o rápido aumento na pressão dos dedos dele nos seus e ficou perversamente satisfeita.

— Tudo bem, quando?

— Estarei na cozinha todo dia, e algumas noites, para supervisionar a reforma. Basta você descer pelo elevador.

Ele puxou-a mais para perto, e embora a escrivaninha permanecesse entre os dois, Carla sentiu que o chão ficou um pouco menos firme.

— Quero ver você a sós — ele disse, sem pressa. Levando a mão dela aos lábios, beijou os dedos devagar, um por um. — Longe daqui, fora das horas de trabalho.

Se Arthur Picoli III fosse alguma coisa parecida com José Picoli II na juventude, Carla entendia por que a mãe se tornara tão rápida e calorosamente envolvida. O desejo estava ali, e a tentação — mas ela não era Mara. Nesse caso, decidira que a história não ia se repetir.

— Eu já lhe expliquei por que isso não é possível. Não gosto de tratar do mesmo assunto duas vezes.

— Seu pulso está acelerado — observou Arthur, correndo um dedo no pulso.

— Em geral, se acelera quando fico irritada. Ou excitada.

Inclinando a cabeça, ela disparou-lhe um olhar assassino.

— Você se divertiria com Kartalian assim?

O mau-humor despertou e ele o reprimiu, sabendo que ela queria enfurecê-lo.

— No momento, não me interessa se você é chef, bombeira ou neurocirurgiã. No momento — repetiu —, só me interessa que você é uma mulher, e uma mulher que eu desejo muito.

Ela sentiu vontade de engolir, porque a garganta ficara seca, mas reprimiu a necessidade.

— No momento, sou uma chef com um trabalho específico a fazer. Vou lhe pedir mais uma vez que me dê licença para eu poder começar a fazê-lo.

Desta vez, Arthur pensou ao soltar a mão dela. Mas, por Deus, esta vez será a última.

— Mais cedo ou mais tarde, Carla.

— Talvez sim — ela concordou, pegando a pasta de couro. — Talvez não. — Num gesto rápido, fechou-a com o zíper. — Aproveite seu dia, Arthur.

Como se não tivesse as pernas fracas e bambas, encaminhou-se para aporta e saiu

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora