Capítulo 11

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Mantendo um fácil monólogo com a câmera e o público do estúdio, ela passou por todos os estágios da sobremesa. Retirou a forma completa, decorada com outras tiras de merengue e pontilhada de violetas cristalizadas e colocou-a num forno. A que ela assara e refrigerara antes foi retirada para o estágio final. Ela recheou-a, distribuiu as frutas e cobriu-a toda com molho de framboesa e chantili, sob os murmúrios de aprovação da plateia. A câmera aproximou-se para uma tomada em close.

— Bravo! — gritou Carlo, levantando-se e aplaudindo a sobremesa posta tentadora e completa no balcão. — Bravíssimo!

Carla riu e, saco de confeiteiro na mão, fez uma profunda mesura quando desligaram a câmera.

— Brilhante, Srta. Diaz. — Boninho saiu correndo ao encontro dela, tirando os fones de ouvido ao chegar. — Simplesmente brilhante. E como sempre, perfeita.

— Obrigada, Boni. Vamos servi-la à plateia e à equipe?

— Sim, vamos, sim, boa ideia. — Estalou os dedos para a assistente. — Arranje alguns pratos, sirva a sobremesa e retire tudo antes de termos de esvaziar o palco para o programa seguinte. Dança aeróbica — resmungou, e saiu mais uma vez correndo.

— Linda, cara — disse-lhe Carlo, mergulhando um dedo no chantilly. — Uma obra-prima. — Pegou uma colher na bancada e enconchou uma polpuda porção diretamente da torta Vacherin. — Agora vou levar você para almoçar e pode me pôr a par de sua vida. A minha — deu de ombros, ainda comendo — é tão excitante que levaria três dias. Talvez semanas.

— Podemos comer uma fatia de pizza logo ali na esquina. — Ela tirou o avental e jogou-o no balcão. — Na verdade, eu gostaria de seu conselho sobre algo.

— Conselho? — Embora o espantasse a ideia de Carla pedir-lhe algum conselho, ou a qualquer outra pessoa, Carlo apenas ergueu a sobrancelha. — Claro — respondeu com um sorriso sedoso, puxando-a consigo. — A quem mais uma mulher recorreria para um conselho... ou qualquer outra coisa... senão a Carlo Franconi?

— Você é mesmo um porco, querido.

— Cuidado — ele pôs os óculos escuros e ajustou o chapéu —, senão é você quem pagará a pizza.

Momentos depois, Carla dava a primeira mordida e apoiava-se quando Carlo saiu zunindo com o Ferrari alugado e juntou-se ao tráfego do Rio de Janeiro.

Conseguia controlar o volante, comer e trocar de marchas com um talento maníaco.

— Então me diga — gritou acima do estrondo do rádio —, que tem em mente?

— Aceitei um emprego, Carlo — ela berrou de volta.

Os cabelos açoitavam-lhe o rosto e ela tornava a puxá-los para trás.

— Emprego? E daí, você já não aceita montes de emprego?

— Este é diferente. — Ela mudou de posição, sentando-se nas pernas cruzadas e virando-se de lado ao dar a segunda mordida na pizza. — Aceitei restaurar e gerenciar um restaurante de hotel pelo próximo ano.

— Restaurante de hotel? — Carlo franziu o cenho para a sua fatia de pizza ao desviar-se de uma caminhonete. — Que hotel?

Ela tomou um grande gole do refrigerante pelo canudo.

— A Picoli House aqui no Rio.

— Ah. — A expressão dele se desanuviou. — Primeira classe, cara. Eu jamais devia ter duvidado de você.

— Um ano, Carlo.

— Passa rápido quando a gente tem saúde — ele concluiu, alegremente.

Ela deixou o sorriso se abrir primeiro.

— Diabos, Carlo, eu me deixei encurralar porque, bem, simplesmente não pude resistir à ideia de fazer a experiência e aquele... aquele rolo compressor jogou Kartalian na minha cara.

— Kartalian? — rosnou Carlo, como só um italiano sabe fazer. — O que aquele verme gaulês tem a ver com isso?

Carla lambeu o molho do polegar.

— Eu ia recusar a oferta a princípio, mas aí Arthur... isto é, o rolo compressor... pediu minha opinião sobre Kartalian, pois ele também vinha sendo considerado para a função.

— E você deu? — perguntou Carlo, com maligno deleite.

— Dei, e fiquei com o contrato para ler. O empurrão seguinte é que se tratava de uma tremenda oferta. Com o orçamento que eu tenho, poderia transformar um barraco de dois cômodos num palácio de gourmet. — Ela franziu a testa, sem notar que Carlo contornara zunindo um furgão com pouco mais que vento entre os metais. — Além disso, tem o próprio Arthur.

— O rolo compressor.

— É. Não consigo controlar a necessidade de levar a melhor sobre ele. É inteligente, esnobe e, droga, sensual como o diabo.

— Oh, é?

— Eu sinto uma tremenda vontade de enquadrá-lo em seu devido lugar.

Carlo avançou zunindo um sinal amarelo quando passava para o vermelho.

— Que lugar é esse?

— Sob os meus pés. — Com uma risada, Carla acabou com a pizza. — Então, por causa dessas coisas, eu me aprisionei a um compromisso de um ano. Vai comer o resto?

Carlo baixou os olhos para a sua fatia da pizza e deu uma saudável mordida.

— Vou. E o conselho que você queria?

Após mais uma vez especular sobre todas as possibilidades, Carla descobriu que atingira o fundo do poço.

— Se eu quiser continuar sã trancada num projeto por um ano, preciso de uma diversão. — Rindo, ela estendeu os braços para o céu. — Qual é a maneira mais infalível de fazer Arthur Picoli III rastejar?

— Mulher sem coração — respondeu Carlo com um sorriso afetado. — Você não precisa de meu conselho para isso. Já tem homens rastejando em vinte países.

— Não, não tenho.

— Simplesmente você não olha para trás, cara mia.

Carla fez uma careta, sem certeza de que gostava da ideia, afinal.

— Vire à esquerda na esquina, Carlo, vamos dar um pulo na minha nova cozinha.

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora