Capítulo 6

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Arthur chegou deliberadamente cedo. Queria vê-la trabalhar, o que era razoável, até lógico. Afinal de contas, se ia contratar Carla para a Picoli House por um ano, devia ver de perto do que ela era capaz e como realizava seu ofício. Não era de modo algum incomum inspecionar os empregados ou os associados em potencial em seu próprio terreno. Ao contrário, era uma característica dele. Bom senso empresarial.

Continuou a convencer-se disso, repetidas vezes, porque pairava uma prolongada dúvida quanto às suas próprias motivações. Talvez houvesse saído do apartamento de Carla em elevado e empolgado estado de espírito porque a superara ao manobrá-la na primeira disputa. A expressão no rosto dela, à menção do rival Kartalian, fora inestimável. E era aquele rosto que ele não conseguira afastar da mente durante toda a semana.

Ansioso, decidiu ao pisar na imensa cozinha que ecoava. A mulher deixava-o ansioso. Ele gostaria de saber a razão disso. Conhecer as razões e motivações era-lhe essencial. Tendo-as relacionado ordenadamente, a resposta a qualquer problema acabaria surgindo.

Apreciava a beleza... na arte, na arquitetura, e com certeza na forma feminina. Carla Diaz era linda. Isso não devia deixá-lo ansioso. A inteligência era uma coisa que ele não apenas apreciava, mas quase sempre exigia de qualquer um com quem se relacionava em termos pessoais e profissionais. Ela era, sem a menor dúvida, inteligente. Nenhum motivo para ansiedade nesse aspecto. A classe era outra coisa que procurava... e sem dúvida a encontrara nela.

Que mexia com ele naquela mulher... os olhos — perguntou-se, ao passar por duas cozinheiras numa acalorada discussão sobre pato recheado. Aquele matiz de avelã não era exatamente uma cor definível... os salpicos dourados que escureciam ou clareavam segundo seu estado de espírito. Olhos muito diretos e francos, concluiu. Respeitava isso. Mas intrigava-o o contraste da cor de humor instável, que de fato não era nem cor. Talvez até demais.

A sensualidade? Só um tolo se sentia cauteloso por causa de uma natural sensualidade feminina, e ele nunca se julgara um tolo. Não era um homem especialmente suscetível. Mas na primeira vez em que a vira sentira aquela instantânea ondulação de desejo, aquele impulso imediato de homem para mulher. Fato incomum, pensou, desinteressado. Uma coisa que tinha de analisar com todo o cuidado e depois descartar. Não havia espaço para desejo entre parceiros profissionais.

E os dois seriam isso, pensou, curvando os lábios. Contava com seus poderes de persuasão e com sua casual menção de Kartalian para convencer Carla Diaz a aceitar a proposta. Ela já começava a indicar uma tendência a aceitar, e após essa noite, ele refletiu, e logo parou atônito. Por um momento, sentiu como se alguém lhe houvesse desferido um golpe muito rápido e atordoante na base da espinha. Só tivera de olhar para ela.

Semioculta pela sobremesa em que trabalhava, Carla tinha o rosto concentrado e intenso. Ele viu o fraco vinco, que poderia ser de mau gênio ou concentração, entre as sobrancelhas dela. Tinha os olhos estreitados, as pálpebras abaixadas, de modo que a expressão era ilegível. A boca, aquela suave e moldada boca que parecia nunca ser pintada, formava um biquinho. Era um total convite a um beijo.

Talvez houvesse querido parecer simples e eficiente assim toda vestida de branco. O chapéu de chef sobre os cabelos presos à perfeição poderia dar-lhe um toque quase cômico. Em vez disso, parecia revoltantemente lindo. Ali parado, Arthur ouvia os acordes de Chopin, a marca registrada de Carla, sentia os exóticos e pungentes aromas da culinária e a tensão no ar, enquanto cozinheiros temperamentais criavam casos e labutavam sobre suas criações. Ele só conseguia pensar, e com muita clareza, em como ela ficaria nua, na cama dele, iluminada apenas por velas competindo com a escuridão.

Caindo em si, ele balançou a cabeça. Pare, ordenou-se com sinistra diversão. Quando as pessoas misturam trabalho e prazer, uma delas ou ambas sofrem. Tratava-se de uma coisa que ele invariavelmente evitava sem esforço. Defendia a posição que mantinha, porque sabia reconhecer, pesar e descartar os erros antes mesmo que fossem cometidos. E sabia fazê-lo com uma implacabilidade e sangue-frio tão transparentes quanto sua aparência física.

A mulher talvez fosse tão deliciosa como a sobremesa que criava, mas não era isso que ele queria — ou melhor, o que podia dar-se ao luxo de querer — dela. Precisava de seu talento, nome e cérebro. Apenas isso. Por enquanto, reconfortou-se com essa ideia ao rechaçar as ondas de necessidade mais insistentes e básicas.

Ali parado, o mais afastado possível da movimentada atividade, observava-a aplicar e alisar, paciente e metódica, uma camada após a outra. Sem a mínima hesitação nas mãos — coisa que ele notava com aprovação, embora notasse ao mesmo tempo, sua elegante ossatura finas. Não se desprendia nenhuma falta de confiança na postura daquela profissional. Continuando a olhar, ele percebeu que ela poderia até parecer estar sozinha no que se referia a todo o barulho e tumulto em volta.

A mulher, decidiu, podia construir sua espetacular bombe na Avenida Atlântica na hora do rush e não perder um passo. Ótimo. Não lhe serviria uma mulher histérica que vergasse sob pressão.

Pacientemente, ele esperava-a finalizar a obra. Quando Carla acabou de rechear a criação com glacê branca e começou a decoração final, a equipe da cozinha rodeava-a para ver. A refeição era um fato consumado. Só faltava agora o grande final.

No último rodopio, Carla recuou. Ouviu-se um suspiro de apreciação coletiva. Apesar disso, ela não sorriu ao contornar toda a volta da bombe, inspecionando e tornando a inspecionar. Perfeição. Nada menos era aceitável.

Então Arthur viu os olhos dela clarearem e os lábios se curvarem. Ao aplauso disperso, ela sorriu e ficou mais que linda — ficou convidativamente acessível. Achou que isso o perturbava ainda mais.

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora