Capítulo 15

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Foi tudo bastante deliberado, bem pensado e satisfatório. Carla pôs o jeans mais esfrangalhado e uma camiseta desbotada com a bainha desfeita numa das mangas. Não se deu ao trabalho nem de uma sugestão de maquiagem. Após levar Carlo e despedir-se no aeroporto, passara pela vitrina de um restaurante drive-thru e escolhera uma quentinha de papelão com frango frito, acompanhamento completo — molho e batata frita — e uma fina vasilha de plástico com salada de repolho cru.

Abriu uma lata de refrigerante dietético e ligou a televisão na retransmissão de uma comédia de costumes.

Pegando uma coxa, começou a mordiscar. Pensara em se vestir elegantíssima, depois passar zunindo por ele, quando batesse à porta com o indiferente comentário de que já tinha um encontro marcado. Muito satisfatório. Mas desse jeito, decidiu, apoiando os pés na mesa, ficaria à vontade, ao mesmo tempo em que o insultaria. Após passar um dia andando pela cidade, enquanto Carlo arregalava os olhos e flertava com toda mulher dos seis aos sessenta anos, o conforto era em tudo tão importante quanto o insulto.

Satisfeita com sua estratégia, ela se recostou e esperou a batida na porta. Não ia demorar muito, pensou. Se era boa juíza de caráter, classificaria Arthur como homem de obsessiva pontualidade. E impertinente, acrescentou, dando uma agradável inspecionada no apartamento entulhado e confortavelmente desorganizado.

Não nos esqueçamos do esnobismo, lembrou-se, desbastando a coxa do frango. Ele ia chegar num terno elegante, feito sob medida, a camisa bem engomada e rematada com monogramas nos punhos. Sem uma única mancha nos sapatos italianos. Nem um único fio de cabelo fora de lugar. Sorrindo, ela baixou os olhos para a bainha desfiada em seu mais velho jeans. Uma pena que não tivesse uns bons buracos.

Rindo maravilhada, pegou o refrigerante. Buracos ou não, com certeza ela não parecia uma mulher ansiosamente à espera de impressionar um homem. Surpreendê-lo lhe daria um enorme prazer. Enfurecê-lo ainda mais.

Quando ouviu a batida, ela olhou em volta sem pressa e descruzou as pernas. Na maior calma, levantou-se, espreguiçou-se e encaminhou-se para a porta.

Pela segunda vez, Arthur desejou ter uma câmera para captar o olhar de mudo espanto no rosto de Carla. Ela nada disse, apenas continuou com a expressão perplexa. Com uma insinuação de sorriso nos lábios, ele enfiou as mãos nos bolsos do jeans justo. Com ninguém mais, refletiu, sentira maior prazer por vencer em esperteza. Tanto assim que era tentador fazer disso uma carreira.

— O jantar está pronto? — perguntou, dando uma cheirada apreciativa no ar. — Cheiro bom.

Maldita arrogância... e percepção, pensou Carla. Como ele conseguia sempre manter-se um passo adiante dela? A não ser pelo fato de usar tênis — surrados —, Arthur vestia uma roupa quase idêntica à sua. Apenas intensificava o aborrecimento o fato de ele parecer tão atraente, de jeans e camiseta, quanto num elegante terno profissional. Com um esforço, Carla controlou o mau gênio, e as ondas mistas de bom humor e desejo. Podiam ter mudado as regras, mas o jogo não terminara.

— O meu jantar está pronto — respondeu friamente. — Não me lembro de ter convidado você.

— Eu disse às oito.

— Eu disse não.

— Como você se recusou a sair... — ele tomou-lhe as mãos e entrou no apartamento, contornando-a — ...achei que íamos simplesmente comer aqui.

Com as mãos colhidas nas dele, ela continuou parada no vão da porta. Podia ordenar que ele fosse embora, pensou. Exigir que fosse... E ele talvez fosse. Embora não se incomodasse em ser grosseira, ela não via muita satisfação em vencer tão diretamente uma batalha. Tinha de encontrar outro método, mais sinuoso e satisfatório, de sair vitoriosa.

— Você é persistente, Arthur. A gente poderia até dizer teimoso.

— Poderia. Que tem para jantar?

— Muito pouco.

Soltando uma das mãos, ela indicou gesticulando a embalagem de comida para viagem.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Sua predileção por comida barata e servida para consumo rápido é muito intrigante. Já pensou em abrir uma cadeia própria... Croissants de Minuto? Tortas no Carro?

Ela não ia deixar-se desviar.

— Você é o homem de negócios — lembrou-lhe. — Eu sou a artista.

— Com um apetite de adolescente. — Dirigindo-se até a mesa, ele pegou uma coxa da caixa. Sentou-se no sofá e apoiou os pés na mesa de centro. — Nada mal — decidiu, após a primeira mordida. — Não tem vinho?

Não, ela não queria ser desviada, decidira não ser, mas vendo-o instalar-se à vontade com seu próprio jantar, teve de reprimir um sorriso. Talvez o plano de insultá-lo não houvesse funcionado, mas era impossível saber o que a noite poderia trazer. Ela só precisava de uma abertura para lhe dar uma boa e sólida espetada.

— Refrigerante dietético. — Ela se sentou ao lado dele e ergueu a lata. — Tem mais na cozinha.

— Está ótimo. — Ele tirou a lata da mão dela e tomou um gole. — É assim que uma das maiores chefs de sobremesas passa as noites?

Arqueando uma sobrancelha, Carla tomou-lhe a lata de volta.

— A maior chef de sobremesas passa as noites como lhe agrada.

Arthur cruzou um tornozelo sobre o outro e examinou-a. Os salpicos nos olhos pareciam mais sutis nessa noite, talvez porque ela estivesse relaxada. Ele gostava da ideia de poder fazê-los fulgirem mais uma vez antes da noite terminar.

— Sim, tenho certeza de que passa. Isso se estende às outras áreas?

— Sim. — Carla pegou outro pedaço de frango e entregou a ele um guardanapo de papel. — Eu decidi que sua companhia é tolerável... por enquanto.

Observando-a, ele deu mais uma mordida.

— Decidiu?

— Por isso está aqui comendo metade da minha refeição.

Ignorou o risinho baixo dele e também apoiou os pés ao lado dos dele na mesa. Alguma coisa aconchegante naquele cenário a atraía... e alguma coisa íntima a deixava cautelosa. Era uma mulher cautelosa demais para se permitir esquecer o efeito de um beijo. E teimosa demais para recuar.

— Estou curiosa para saber por que insistiu em me ver esta noite — ela disse. Um comercial sobre cera para assoalho tremeluziu na tela da tevê. Carla olhou-o e logo se voltou para Arthur. — Por que não me explica?

Ele pegou um garfo de plástico e provou a salada de repolho.

— O motivo profissional ou o pessoal?

Ele respondia a uma pergunta com outra, com demasiada frequência, ela decidiu. Era hora de encurralá-lo.

— Por que não explica um de cada vez?

Sobremesa de CarlaOnde histórias criam vida. Descubra agora